segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Carta a O Globo

Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 1999

Sr. Editor, gostaria que o mesmo espaço dado ao Prof. Jerônimo Rodrigues de Moraes Neto, da UFRJ, para publicação do seu artigo A Educação caiu do cavalo, de 02/02/99, fosse concedido a mim, numa tentativa de esclarecimento ao público.

A EDUCAÇÃO NÃO CAIU DO CAVALO PORQUE ANDA DE CARRO

É fato que a crise econômica tem levado alunos oriundos das escolas particulares para as escolas públicas. É fato, também, que, assim que a situação familiar melhora um pouco, os pais retornam com os filhos para as escolas particulares.
Por que são melhores? Há controvérsias...
Gostaria de relativizar essa situação. É senso comum – e por isso mesmo está no imaginário social – que escola boa é a particular...
Podemos enumerar alguns motivos discutíveis:
a) é porque não há falta de professores;
b) é porque o “ensino é puxado”;
c) é porque “não quero que meu filho se misture”;
d) e, agora, é porque reprova.
Quanto ao primeiro possível motivo alegado, é fato que a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro tem se esforçado para garantir a presença dos professores nas classes, utilizando desde a abertura de concursos, periodicamente, até a contratação esporádica de profs. por tempo limitado.
Note bem: a falta de profs. não deve ser vista como conseqüência de baixos salários, uma vez que a maioria das escolas particulares, no Rio de Janeiro, paga menos que a Prefeitura. Não podemos ter como parâmetro meia dúzia de escolas que realmente pagam acima da tabela do sindicato, certo?
Na verdade, administrar uma Rede de quase 40 mil professores que se aposentam e se licenciam por motivos de saúde, ou para estudos – sim, a Prefeitura concede licenças para estudo, porque quer um professor qualificado, atualizado – requer muita competência.
Quanto ao item b, a maioria das famílias cai na balela do “ensino puxado”, muito mais por tradição, ou porque “no meu tempo era assim...” – que, normalmente, se traduz em páginas e páginas de deveres de casa, muitas unidades dos livros didáticos para estudar, questionários para responder e pesquisas que só os pais conseguem realizar.
Podemos enumerar, aqui também, os equívocos: os incontáveis deveres de casa servem, acreditam, para fixar a matéria dada na escola, esquecendo-se que a aprendizagem é construção e não fixação para decorar, além de, é claro, manter a criança ocupada com os deveres, que assim não pensa e nem faz “besteira”, e nem dá trabalho aos pais...
A escola é boa porque é exigente. Exige dever, exige nota, exige disciplina rígida. Afinal, alguém tem que dar educação a essas crianças... É a escola do “não pode”.
Naturalmente, deve ser por este motivo, que a população brasileira é tão educada, sabida, e a elite de maior prestígio, que tem os rumos do país em suas mãos, é tão competente, tão honesta, é óbvio que é porque é fruto dessa escola exigente, que sempre foi tão boa...
O item c é o que, normalmente, as pessoas custam mais a assumir, mas que funciona mais ou menos assim: “Meu filho? Junto com aqueles favelados?”; “Aqueles meninos do CIEP não querem nada. Lá só tem preto. Eles não têm nem família!”
A quem estamos querendo enganar? É a Bélgica não querendo se encontrar com a Índia...
Somos brasileiros, misturados e deveríamos nos orgulhar disso, ensinando nossos filhos a respeitarem o próximo – que não é tão diferente assim de nós mesmos, como alguns querem crer.
O último item é o mais polêmico e as pessoas, afoitamente, começam a pré-julgar as situações, mais uma vez, dominadas pelo senso comum.
Escola boa é a que reprova. Por quê?
Desde quando ser reprovado em alguma coisa é bom?
Quantas pessoas foram reprovadas na sua trajetória escolar, porque ficaram faltando alguns décimos para alcançar a nota final? E tiveram que repetir um ano letivo inteiro, ouvindo as mesmas coisas que o ano anterior? Isso significa um ano na vida de uma pessoa. Será que é pouco? E o desestímulo que uma reprovação acarreta? E o sentimento de “sou burro”, “não consigo aprender”?
Em que isso ajudou/ajuda as pessoas a serem mais felizes ou mais sabidas?
É preciso que fique claro que, por trás de uma medida institucional – como a atribuição de conceitos PS – Plenamente Satisfatório (e, não, planejamento satisfatório como foi publicado); S – Satisfatório e EP – Em Processo – adotada pela SME/RJ, há estudos, há teorias, há muita prática, há discernimento, há consulta aos profs., há proposta filosófica e compromisso com cerca de 700 mil alunos e a população dessa Cidade que quer – e nós oferecemos – uma escola pública de qualidade.
É preciso que professores e não-professores entendam que o compromisso da Educação é com o ENSINAR e o APRENDER, e não com a aprovação ou a reprovação.
O prof. que , nos dias de hoje, se sente aviltado porque lhe tiraram o poder de aprovar ou reprovar, perdeu o bonde da história; colocou todas as suas fichas num cavalo manco – já que o prof. a quem tento responder gosta de metáforas envolvendo animais – e agora se sente injustiçado. Ah, coitado...
Será que é isso mesmo?
O professor é o único profissional que se orgulha da derrota. “Reprovei 30 alunos!” Que beleza!
E as famílias acreditam que esse professor é que é bom. É firme. É rígido. Com ele não tem brincadeira.
Eu não quero que o meu trabalho seja reduzido a um mero “aprovei ou reprovei tantos alunos”. Eu não preciso reprovar alunos para provar que a minha disciplina é importante e muito menos usar a avaliação (entenda-se testes e provas) para “dominar a turma” ou ameaçá-los.
Não é verdade que eu precise “submeter periodicamente” os meus alunos a uma avaliação, para me sentir mais honrada ou para justificar que o meu trabalho é sério e de qualidade.
Avaliação faz parte do processo pedagógico, da rotina escolar, e serve apenas para redirecionar o meu trabalho. Serve apenas para que eu verifique onde as coisas não vão bem para que possa melhorá-las.
Se existe a “cultura da nota” e não acreditamos mais nela, cabe a nós mesmos mudar o que esta aí.
Com todo o respeito, “... a alegria de encontrar a verdade...” vai depender de onde ela está e com quem. A partir de que pressupostos?
Prof. Jerônimo, todos têm direito à Educação. Todos têm direito à alegria. Não apenas os alunos dos grandes colégios particulares do Rio de Janeiro, como o Sr. teima em comparar.
Não há leviandade em querer que alunos da Rede Pública APRENDAM, sem precisarem ser massacrados pela escola. Com certeza a vida já se incumbiu de massacrá-los.
Não é reprovando que se garante seriedade. Se assim fosse, do jeito que reprovamos tanto todo esse tempo, seríamos um povo carioca seríssimo...
E a SME/RJ não quer a aprovação automática. Quer, sim, que os professores ensinem e que os alunos aprendam; que sejam vistos, professores e alunos, como sujeitos, cidadãos que estão fundando um novo tempo.
Tempo de compreensão, de sabedoria, de solidariedade, de respeito, de justiça, de realidade (e não de faz-de-conta).
Tempo, prof. Jerônimo, de andar de carro, e por isso não dá mais pra cair do cavalo.






Profª Denise Vilardo Nunes Guimarães
Profª. da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
Profª da Rede Particular

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