sábado, 14 de setembro de 2019

UM NOVO OLHAR SOBRE A "NOVA" ALFABETIZAÇÃO DO INSTITUTO ALFA E BETO


Caríssimos e Caríssimas,

Desculpem utilizar esse nosso espaço para fazer uma denúncia, mas conto com esse valoroso grupo para me ajudar a divulgar o que vem acontecendo com as escolas municipais da cidade do Rio de Janeiro.

Finalmente, a SME/RJ está utilizando as verbas a ela destinada desde sempre. A Claudia Costin, como boa administradora que é, e já tendo tido experiência em outros cargos governamentais, inclusive na esfera federal, sabe direitinho onde o dinheiro está e tem captado literalmente tudo o que é possível captar. Mas...

Apesar de todos os avanços no campo administrativo que estão sendo realizados nessa gestão, a orientação pedagógica está uma verdadeira barafunda!

Dentre as inúmeras propostas de "salvação" que a SME/RJ anda apresentando aos professores, de maneira absolutamente arbitrária, está uma cartilha, baseada no método fônico ou fonético - muito utilizado nos anos 50/60 e que é condenado por todos os estudiosos do assunto, desde a década de 80.

As cartilhas chegaram para serem distribuídas para as escolas cujos alunos têm dificuldade na aprendizagem da leitura. É um projeto caro, encomendado a um Instituto chamado Alfa e Beto. Chama-se "Aprender a ler" e tem um livro suplementar, com pseudo histórias para os alunos.

Com essa cartilha, pretende-se alfabetizar, finalmente, as crianças... a justificativa é que, com os métodos anteriores, as crianças não obtiveram sucesso. Posso afirmar que a metodologia do ensino de alfabetização que era orientada aos professores nunca chegou a ser implantada efetivamente no nosso município - por motivos políticos.

Desde 2002, ainda na gestão do Prefeito César Maia, as capacitações em serviço para os professores da Rede Pública Municipal foram suspensas.

As atualizações para os professores foram retomadas no final de 2009, já na gestão do Eduardo Paes. Esse vácuo de 7 anos para o magistério foi fatal. Haja vista a pesquisa recentemente publicada, em que os professores culpam as famílias dos alunos pela não aprendizagem dos mesmos. (O pior é que a SME/RJ também acredita nisso uma vez que lançou uma "cartilha" para as mães - e somente elas - aprenderem a acompanhar os filhos em seus estudos. Isso é, no mínimo, grotesco... um dos conselhos dado às mães, é que tenham um local adequado em suas casas, para as crianças estudarem. Um local silencioso, com boa iluminação, boa ventilação e confortável.. .) Têm ideia de qual planeta quem escreveu isso vive?

Retrocedemos 20 anos no pensamento pedagógico dessa Rede.

Algumas outras propostas de salvação do ensino na Rede Pública, são, ainda, a volta da 2ª época e dos deveres de casa...

Voltando à cartilha de alfabetização, envio um dos textos para vocês verem, com algumas observações iniciais.

Minha chinela amarela

"Olá, eu sou o Charles.
Eis a minha chinela.
Minha chinela é amarela.
Eu chamo minha chinela de Chaninha!

Chaninha vive no armário
De manhã, Chaninha sai do armário e vem para mim.
E Chaninha vem me ver, cheia de charme!

Eu saio ao sol, eu e a minha chinela...
Eu saio na rua...
Eu e a minha chinela.
Eu e a minha Chaninha! Lá vamos nós!

Às vezes, eu suo muito.
Eu suo na Chaninha.
Aí, ela cheira mal!
Uuuuu! Ela cheira a chulé!

Se dá chulé na Chaninha, mamãe leva e lava.
Mamãe lavou, lavou e a Chaninha furou.

Hum, a chinela é cheirosa afinal!
Chaninha é velha.
Mesmo assim ela é maravilhosa!"

1 - Qualquer professor de Língua Portuguesa pode atestar que isso acima é quase um não-texto, porque possui débeis elementos básicos de coesão, e baixíssimo nível de coerência. São quase frases soltas;
2 - costumamos dizer que esse tipo de não-texto imbeciliza os alunos;
3 - é também inadequado para a faixa etária a que está endereçado;
4 - não utilizamos chinelas no Rio de Janeiro;
5 - Charles é um nome, ah digamos... não brasileiro;
6 - e, Chaninha, na minha terra é... vocês sabem o que significa.

Sou profª da Rede Municipal há 32 anos e nunca vivenciei nada semelhante. Nunca a SME foi tão retrógrada, com atitudes tão conservadoras e tão inconsequente em seus atos.

A Claudia Costin tem uma mídia hiper forte com ela, que é excelente administradora, mas não entende bulhufas de Educação e nem a equipe que montou para assessorá-la. E os professores ah, digamos, mais conscientes, estão sem espaço pra contar suas histórias. Só aparece o que dá cartaz ao governo, e que está apenas na superfície.

Pra terminar, outra "história" tirada da cartilha:

Zé e Zuza

" Zé amola seu mano Zuza.
- Ei, Zuza zonzo!
- Não amola, Zé!

Uma manhã, uma luz iluminou Zuza.
- O Zé não me amola mais!

Zuza assou uma massa de sal numa noz.
- Uma noz, mano Zuza! Eu amo noz! Ulalá!

E zás!
Ai, ai, ai!
Noz com sal?
Zuza amolou o Zé, ou não?

O Zuza não amolou.
- Amo noz! amo sal! Noz e sal, uau! Amei!

Ué, nem o sal na noz amola o Zé!
- Ô, mano Zé lelé!
- Ê, miolo mole!"

Parece sacanagem? E é!!! Sacanagem com os meninos e meninas das escolas públicas municipais do Rio de Janeiro.

Obrigada pela atenção
Denise Vilardo

sexta-feira, 7 de abril de 2017

José Pacheco: «Procurem nas escolas professores que ainda não tenham morrido»

José Pacheco, professor, pedagogo, defende uma escola sem turmas, sem ciclos, sem testes, sem chumbos, sem campainhas. Aos críticos, pede alternativas e conta histórias de sucesso. Fundou um projeto inovador na Escola da Ponte, em Santo Tirso, em 1976, quando percebeu que não podia continuar a dar aulas. Derrubou paredes, juntou alunos, ergueu um método em que quem aprende define o seu ritmo de aprendizagem. Foi ameaçado, ouviu coisas feias, disseram-lhe que quando fosse mais velho iria ganhar juízo. Tem agora 65 anos e não mudou de ideias. Continua a acreditar que a escola são pessoas e não um edifício de betão. Não percebe a insistência nos exames, diz que se confunde avaliação com classificação, refere que os chumbos comprovam que o sistema não funciona.

Há 12 anos, partiu para o Brasil com o seu projeto na mala. Partiu por duas razões. «Permitir que uma nova equipa da Escola da Ponte continuasse o projeto sem a intromissão de um velho professor e encontrar no Sul a obra de Agostinho da Silva e educadores disponíveis para se melhorar, melhorando a educação das crianças e jovens», explica. Neste momento, do outro lado do Atlântico, acompanha mais de 100 projetos educativos. O Projeto Âncora é o mais conhecido e já ganhou fama internacional, após visitas de investigadores estrangeiros. Há uma semana, José Pacheco esteve em Portugal, em várias cidades – Almada, Loulé, Fundão, Viseu, Gouveia – a partilhar ideias, a falar do que sabe, a ouvir alunos, professores, educadores, responsáveis políticos. Partiu depois para o Chile, para fazer formação a convite de universidades e do governo chileno. Em meados de abril, regressa ao Brasil para retomar a orientação de projetos educativos.


Em 1976, no rescaldo da liberdade, criou com duas colegas o projeto pioneiro «Fazer a Ponte na Escola da Ponte». Sem turmas, sem testes, sem ciclos, sem campainhas. Chamaram-lhe louco quando dizia que era possível derrubar paredes e juntar alunos?

Confesso que, nos idos de 1976, estava quase a desistir de ser professor. Sentia que «dando aula» estava a excluir gente. Percebi que não devia continuar, mas não sabia fazer mais nada. A Ponte surgiu, talvez não por acaso, para me dar uma última oportunidade. Era uma escola como qualquer outra, escola pública degradada, que albergava as chamadas «turmas do lixo», maioritariamente constituídas por jovens de 14, 15 anos, que não sabiam ler nem escrever, e que batiam nos professores. Ali, encontrei duas pessoas, que faziam as mesmas perguntas: «porque é que dou as aulas tão bem dadas e há alunos que não aprendem?»

E então?

Aconteceu algo inusitado. Éramos profissionais competentes, mas deparávamo-nos com a falta de um compromisso ético com a profissão. Se o modo como a escola funcionava negava a muitos seres humanos o direito à educação, não poderia continuar a ser gerida desse modo. Se o modo como trabalhávamos não lograva assegurar a aprendizagem a todos os alunos, não poderíamos insistir nesse modo de ensinar. Quando modificamos o modo, asseguramos a todos o direito de serem sábios e felizes. Começámos a receber alunos expulsos e evadidos de outras escolas, alunos a quem chamavam «deficientes». Chamaram-nos loucos, lunáticos e outros epítetos que, por pudor, não reproduzo. Quando fiz as primeiras intervenções públicas, mais do que dizerem que o projeto era um arroubo de jovem professor, diziam-me que, quando eu fosse mais velho, iria ganhar juízo. E os detratores agiram de forma violenta, explícita. Um dia, talvez eu conte a história da Escola da Ponte. Ela foi feita de sofrimento e resiliência.

Foi assim tão difícil?

No decurso de mais de quatro décadas, foi muita a maldade humana que determinou as ações dirigidas contra a Ponte. Da destruição da nossa horta à destruição do hospital de animais, que as crianças cuidavam com tanto desvelo, ações levadas a cabo por criminosos a soldo de políticos locais, que pintaram com o sangue das vítimas na parede da escola: «Morte ao professor.» Do lançamento de panfletos, na calada da noite, contendo acusações falsas, até à publicação de boatos em jornais. Do terrorismo verbal, via telefone, até à agressão física. O sofrimento maior foi termos descoberto que muitos desses ataques eram provenientes de escolas próximas. Apercebemo-nos que o maior aliado de um professor é o outro professor, mas, também, que o maior inimigo de um professor que ouse fazer diferente para melhor é o professor da escola do lado.

Quando chegou à Escola da Ponte, ficou com uma «turma do lixo». Foi aí que percebeu que estava tudo errado?

Na Escola da Ponte, a decisão de mudar foi de origem ética. Encontrei jovens analfabetos que tinham sido ensinados do modo que eu antes ensinava. Se eu continuasse a trabalhar do modo como, até então, havia trabalhado, aqueles jovens continuariam sem saber ler. Tomei consciência de que, dando aula, eu não conseguiria ensiná-los. Na época, nem da existência de um Piaget tínhamos conhecimento. Agimos por intuição pedagógica, movidos pelo amor que tínhamos (como qualquer professor tem) pelos alunos.

«Qualquer pessoa minimamente avisada, minimamente conhecedora dos ainda ocultos saberes das ciências da educação – bode expiatório de todos os males que apoquentam a educação deste país – sabe que a solução não passa por mais exames.»

Diz que numa aula não se aprende nada, que os exames são o método mais falível que existe, que chumbar é a prova que a escola não funciona. O que pode ser diferente? Como se avalia um aluno?

A afirmação é radical. Mas toda a regra tem exceção. Aprendi Francês escutando aula, porque me apaixonei pela professora. A aprendizagem é antropofágica. Não se aprende o que o outro diz, apreendemos o outro. Um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. Poderá acontecer aprendizagem em sala de aula, se forem criados vínculos e esses vínculos não são apenas afetivos, também são do domínio da emoção, da ética, da estética… O que dizer da avaliação? Que quase não existe, nas escolas. Um ministro de má memória introduziu mais exames no sistema. Mais exames não melhoram o sistema, porque não é a preocupação com o termômetro que faz baixar a temperatura. O teste é o instrumento de avaliação mais falível que existe. Conceber itens de teste, garantir fidelidade e tudo mais é um exercício extremamente rigoroso, assim como assegurar que as condições são as mesmas para todos quando se aplica o teste. Além disso, corrigir o teste também introduz uma subjetividade enorme. Esses instrumentos de avaliação apenas «provam» a capacidade de acumulação cognitiva, de armazenamento de informação em memória de curto prazo, para debitar no exame e esquecer.

Qual é então o modelo de avaliação que preconiza?

A avaliação praticada na Ponte e no Projeto Âncora é aquela que a lei estabelece: avaliação formativa, contínua e sistemática. Em muitas escolas aplica-se o teste e dá-se uma nota sem saber o que se faz. Há quem confunda avaliação com classificação e dê a nota a partir dos resultados dos testes. Eu sei que se alega considerar uma percentagem da nota dada a partir da avaliação de atitudes. Porém, não se apresenta os instrumentos de avaliação que permitam medir atitudes como a autonomia ou a criatividade. Diria que essa avaliação é feita a «olhómetro.» O ex-ministro Marçal Grilo afirmou que «as provas globais começam a ser inúteis.» Qualquer pessoa minimamente avisada, minimamente conhecedora dos ainda ocultos saberes das ciências da educação – bode expiatório de todos os males que apoquentam a educação deste país – sabe que a solução não passa por haver mais exames. Se quisermos falar de avaliação em linguagem de gente, poderíamos dizer que a quase exclusiva utilização de um mesmo tipo de instrumento de avaliação tem sido responsável por graves erros. Atenda-se ao exemplo do candidato a Medicina que, por uma centésima, não acedeu ao curso desejado.

Mas a verdade é que a avaliação em Portugal continua a assentar toda ela em teste e exames.

E os fervorosos defensores dos inúteis exames saberão em que consiste assegurar a validade ou a fidelidade de um item? Saberão aquilatar da subjetividade da correção de uma prova de exame? Terão conhecimento das grosseiras fraudes que os exames engendram? Terão passado, alguma vez, pela angústia da espera, foram afetados por uma ansiedade geradora de bloqueios? Os debutantes e amadores das coisas da Educação não leram nos jornais – que literatura especializada não terão lido, a avaliar pelos disparates que vão debitando na comunicação social – notícias de frequentes e abissais alterações de pontuação que decorrem da reapreciação de recursos? Na avaliação que ainda vamos tendo por hegemônica, é bem visível a ancestral prática seletiva. O ensino em massa é coerente com uma avaliação em massa. Os professores lamentam o dispêndio de tempo posto na correção de exames e alegam que o ministério os explora como mão-de-obra barata. O ministério, por sua vez, gasta fortunas em comissões a quem compete elaborar os testes e coordenar o serviço de exames, em viaturas e seguranças que transportam envelopes lacrados como se fossem as joias da coroa. Se outra razão não houvesse para acabar de vez com exames, uma se imporia. Associada à ideia de exame há sempre a probabilidade de utilização de «copianços». Para cada sala de exame que se preze, são escalados professores que, pressupostamente, são o garante de que os examinados não «copiam». Os «vigilantes» partem, pois, do pressuposto de que todo o aluno é, até prova em contrário, potencialmente desonesto. Haverá princípio mais antipedagógico que este?

O que defende esbarra num sistema ancorado em avaliações, notas, médias. O discurso político assente no rigor e exigência na educação não o convence?

O sistema somos nós. Que rigor e que exigência existem num modelo educacional no qual alunos do século XXI são «ensinados» por professores do século XX, que recorrem a práticas oriundas do século XIX? Rigor e exigência existirão em escolas onde se dê a todos condições de acesso, e a cada um, condições de sucesso.

E como se chega aí?

É incontornável falar do nó górdio da mudança das práticas escolares: a formação de professores, que continua imersa em equívocos. Continuamos cativos de um modelo de formação cartesiano. Sabemos que um formador não ensina aquilo que diz, mas transmite aquilo que é, veicula competências de que está investido. Mas ainda há quem ignore a existência do princípio do isomorfismo na formação, quem creia que a teoria precede a prática, quem considere o formando como objeto de formação, quando deveria ser tomado como sujeito em autotransformação, no contexto de uma equipa, com um projeto. Prevalecem práticas carentes de comunicação dialógica, culturas de formação individualistas, de competitividade negativa, de que está ausente o trabalho em equipa. Venho repetindo que a profissão de professor não é um ato solitário, mas solidário. Que o trabalho em equipa pressupõe um permanente convívio, estabilidade e lealdade a valores e princípios de um projeto. Isso não acontece numa escola de tempo parcial. Porquê 50 (ou duas vezes 45) minutos de aula, se a aprendizagem acontece 24 horas por dia? Porquê 200 dias letivos, se nos educamos nos 365 (ou 366) dias de cada ano?

«As escolas são pessoas, mas o Ministério da Educação crê que uma escola é um edifício. E uma crença não se discute, deve ser respeitada. Porém, crenças e «achismos» não deverão ser suportes de política educativa.»

O país alimenta um sistema de ensino baseado na burocracia? O Governo fala em dar mais autonomia às escolas, em flexibilização de currículos, em mais aulas experimentais…

Urge acabar com o experimentalismo. Alunos e professores não podem ser tratados como cobaias de laboratório. Acredito nos professores e parto daquilo que eles são para que se sintam seguros no processo de mudança. Aproveito a sua formação experiencial. Concedo todo o tempo necessário e condições de autotransformação. Talvez apenas seja preciso que os professores, para além de serem competentes, sejam éticos para que a mudança se opere. Mas é verdade que o país alimenta um sistema de ensino baseado na burocracia. Recordo um lamentável episódio. No fim de um ano letivo, com assiduidade plena e significativas aprendizagens realizadas, os alunos da escola de Monsanto «reprovaram por excesso de faltas.». Eu sei que parece mentira, mas aconteceu… As escolas são pessoas, mas o Ministério da Educação crê que uma escola é um edifício. E uma crença não se discute, deve ser respeitada. Porém, crenças e «achismos» não deverão ser suportes de política educativa. Autoritária e arrogantemente, burocratas enquistados no sistema educativo impõem práticas desprovidas de fundamento científico, ou legal (terão lido o artigo 48º da Lei de Bases?). Ousam tomar insanas decisões, como o despropósito da reprovação por excesso de faltas, porque estão conscientes da impunidade dos seus atos e contam com o obsceno silêncio dos pedagogos. A que faltas se refere o ministério, dado que os alunos estiveram em situação de ensino doméstico e até estiveram dentro de um edifício, a que o ministério chama escola? Conseguirá o ministério explicar por que razão alunos com 100% de assiduidade reprovam, enquanto outros jovens aprendem fora do edifício da escola?

Conte lá essa história.

Tudo começou em 2014, quando uma escola acabada de inaugurar foi encerrada pelo Ministério de Educação. Os pais dos alunos optaram pelo ensino doméstico, o agrupamento de escolas deu luz verde ao processo e as crianças foram acompanhadas por duas professoras. Porém, no primeiro dia de aulas do ano letivo seguinte, os pais foram informados de que o ministério não reconhecia a avaliação positiva aos alunos, atribuída pelas docentes. O ministério considerava ilegal a situação dos alunos, enquanto a Comissão de Proteção de Crianças afirmava que o alegado «abandono escolar» não fora provado. Os pais dos alunos pediram nova transferência dos seus filhos para o ensino doméstico, pedido que, garantem, foi aceite. E, enquanto o caso não se resolve, uma escola recém-inaugurada, e que custou cem mil euros, está fechada. As crianças são transportadas para a sede do município, que dista trinta quilômetros de Monsanto. São duas viagens diárias impostas por burocratas, que «acham» que as crianças devem estar fechadas no interior de um edifício a que chamam escola, numa sala de aula com x metros quadrados de área, durante x número de horas em x dias ditos letivos. Desfecho do lamentável episódio: a ignorância é atrevida e triunfou. Provavelmente, aqueles que detêm o poder de decidir confundem escola com edifício escolar. Relativamente a Monsanto: saberão o significado de avaliação formativa, contínua e sistemática? À luz da ciência produzida, desde há um século, a expressão «reprovar por faltas» é uma obscenidade. Serão analfabetos funcionais? Certamente terão lido o artigo 48 da Lei de Bases, mas foram incapazes de interpretar o seu significado.

Se é como diz, como foi isso possível?

Há cerca de uma dúzia de anos, e com burocráticos argumentos, um ministro de má memória tentou destruir o projeto da Escola da Ponte. Os sindicatos, a universidade e a sociedade civil impediram que essa obscenidade ministerial obtivesse êxito. Na presente situação, os professores portugueses permitiram que o autoritarismo imperasse e que critérios de natureza pedagógica fossem desprezados. Permaneceram apáticos. Mais uma vez, nada fizeram para acabar com a impunidade. É estranho e pesado esse obsceno silêncio. O professor assume dignidade profissional, sendo autônomo-com-os-outros. Porque um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. E enquanto o exercício da profissão não se pautar por critérios de natureza pedagógica, enquanto a burocracia prevalecer em detrimento da pedagogia, os professores continuarão a ser considerados os «bodes expiatórios» dos males do sistema. Faltará apenas que os professores sejam, efetivamente, críticos, reflexivos das suas práticas. Que, na relação com qualquer parceiro, se elimine o período letivo, o trimestre, o ano letivo.

«A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as “naturalizações”, as “certezas”, as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia.»

Quarenta anos depois, a Escola Básica da Ponte tem nota máxima na avaliação externa do Ministério da Educação. Os alunos, em conjunto com os tutores, definem quinzenalmente objetivos de aprendizagem e são avaliados à medida que aprendem. Seria possível disseminar este projeto em Portugal?

Não diria disseminar, mas inspirar. São já muitas as escolas portuguesas que se inspiraram nas práticas da Ponte para mudar as suas práticas. Na Ponte de há 40 anos, as salas de aula foram substituídas por espaços de «área aberta.» Depois, deram lugar a aprendizagens em múltiplos espaços sociais (edifício da escola incluído), num anúncio da possibilidade de conceber novas construções sociais de aprendizagem. No edifício da escola, nas praças, nas empresas, nas igrejas, nas bibliotecas públicas, e centros culturais, passamos a contemplar um novo modo de desenvolvimento curricular, duas vias complementares de um mesmo projeto: um currículo subjetivo, um projeto de vida pessoal, a partir de talentos cedo revelados; um currículo de comunidade, baseado em necessidades, desejos da sociedade do entorno. São muitos e diversos os caminhos de mudança, sendo urgente que os educadores compreendam o que significa o termo «currículo». É preciso experimentar um novo modo de organização, em equipas de pessoas autónomas e responsáveis, todas cuidando de si mesmas e de todo o resto, numa escola realmente «pública». Não negando o potencial da razão e da reflexão, juntar-lhe as emoções, os sentimentos, as intuições e as experiências de vida. E uma escuta que, para além do seu significado metodológico, terá de ser humanamente significativa e de assentar numa deontologia de troca «ganha-ganha.» As escolas poderão desenvolver um currículo mais adequado às novas competências e exigências do século XXI. A velha escola há de parir uma nova educação. Mas as dores do parto serão intensas, enquanto as «naturalizações», as «certezas», as crenças ministeriais, a tecnocracia e a burocracia continuarem a prevalecer em domínios onde deveria prevalecer a pedagogia.

Tem sido um trabalho de parto muito demorado…

Creio que ainda não é consensual, mas é incontornável. A Ponte provou a possibilidade de uma escola onde todos aprendam e sejam felizes. Operou uma rutura total com o velho e obsoleto modelo educacional, que ainda prospera na maioria das escolas. Garante o direito à educação, que a maioria das escolas recusa. E numa escola da rede pública! Os efeitos do projeto que relatórios de comissões de avaliação independentes atestam são bem melhores do que os obtidos pelas escolas ditas «normais». Esses resultados constam de relatórios de avaliação externa, elaborados por equipas nomeadas pelo Ministério da Educação. São produto de uma avaliação isenta e atestam a elevada qualidade das aprendizagens realizadas pelos alunos. Diz-nos o último dos relatórios de avaliação que, quando transitam para outras escolas, os alunos da Ponte alcançam melhores notas do que os alunos de outras escolas conseguem alcançar. E, se no domínio cognitivo isso acontece, muito mais significativos são os níveis de desenvolvimento sócio-moral. É grande a preocupação com a vertente ética, e sabemos que o desenvolvimento estético anda ao lado do desenvolvimento cognitivo, sendo mutuamente influenciados. Não fragmentamos os saberes: estudos realizados com adultos formados ao longo dos últimos 30 anos demonstram que todos os nossos ex-alunos são pessoas socialmente integradas e realizadas. Talvez possa acrescentar que a Escola da Ponte provou que é possível outra educação, aliando excelência acadêmica à inclusão social.

Em Cotia, cidade perto de São Paulo, no Brasil, criou uma escola que tem uma tenda de circo com oficinas de skate, kart, azulejos, música, para crianças dos 12 aos 14 anos que vivem em favelas. Como se ensina em contextos de vulnerabilidade social, económica, cultural?

Fui para o Sul apenas porque precisava de me afastar de uma escola onde labutei durante mais de trinta anos, para que novas equipas continuassem o projeto. Acredito nos professores. E encontrei no Brasil, como havia encontrado em Portugal, muitos professores que possuem os dois requisitos básicos da profissão: competência e ética. Acompanho os seus projetos e com eles aprendo. Isso basta-me. É preciso apenas que haja gente, educadores conscientes da necessidade e possibilidade de mudança, que se constituam numa equipa de projeto. Que saibam escutar sonhos e necessidades da comunidade em que estejam inseridos. E que ajam em função da lei e da ciência. Não há duas escolas iguais, nem acredito em modelos. Portanto, não existe a possibilidade de surgirem projetos iguais. Aquilo que é afim entre os projetos é a rutura com uma tradição de educação hierárquica e burocrática. São escolas que, com prudência (crianças não cobaias de laboratório), ousam reconfigurar as suas práticas, assumir formas específicas de organização do trabalho escolar, em dispositivos de relação, nas atitudes do dia-a-dia, que viabilizam práticas de educação integral. Outra semelhança é o fato de essas escolas cumprirem, efetivamente, os seus projetos político-pedagógicos.

«O despertar da atenção do professor será o despertar da atenção do aluno. As escolas dispõem de excelentes professores a trabalhar do modo errado. E acontece o inevitável: doenças profissionais, idas ao psiquiatra, burnout…»

O Governo acaba de traçar o que deve ser o perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória: jovens perseverantes, com pensamento crítico, que querem aprender mais. É este o caminho?

É um dos caminhos a partir de uma boa proposta que, em boa hora, o secretário de Estado, João Costa, lançou. Que não se suspenda esta medida de política educativa. Que não se hipoteque mais uma possibilidade de mudança a troco de votos nas autárquicas… As mudanças deverão partir, simultaneamente, das escolas e do poder público. E são precisos muitos anos para que se consolidem. Nos últimos anos, apesar da profusão de tentativas de reforma, programas, projetos, congressos, cursos e afins, não se logrou melhorar a qualidade da educação nacional. Mas Portugal tem tudo aquilo que precisa. E esse desiderato será alcançado quando as escolas deixarem de estar cativas de um modelo educacional obsoleto e de uma gestão burocratizada, na qual os critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios de natureza pedagógica.

O que diria a uma criança de seis anos antes de entrar na escola? E a um jovem que acaba o 12º ano?

Tenho netos dessa idade e não sei o que lhes dizer.

E o que diria aos pais que têm um filho que vai entrar na escola e aos pais que tem um filho que saiu da escola e não quer ir para a universidade?

Que procurem nas escolas professores que ainda não tenham morrido. E que com eles colaborem, para bem dos seus filhos. No início do projeto da Ponte, compreendendo o medo e respeitando a atitude conservadora daqueles que não queriam mudar, começamos um trabalho à parte. Inicialmente os alunos reagiam mal, porque era mais cômodo ouvir aula do que trabalhar em pesquisa, em projeto. Depois foram os professores das outras escolas que começaram a criar-nos dificuldades. Os pais dos alunos manifestavam dúvidas e receios, apenas desfeitos quando os seus filhos obtiveram excelentes resultados em provas nacionais e vestibulares. Os pais são pessoas inteligentes e amam os filhos. Os professores são pessoas inteligentes e amam os alunos. Estão do mesmo lado. Se explicamos aos pais, numa linguagem que eles entendem, que aula não tem que existir, que prova não prova nada, que o fundamental não precisa ser separado do resto, enfim, os pais entendem. Melhor que isso, no caso da Escola da Ponte, os pais entenderam tão bem que defendem o modelo e são eles que dirigem a escola. A questão é que quem sabe de pedagogia são os professores. É essa a grande distinção. Uma escola tem que ser gerida pela pedagogia, mas quem deve administrar financeiramente é a comunidade, através das famílias e dos pais. Os pais têm direito de ficar em dúvida. Querem a escola para os filhos que foi a escola deles. Mas se os pais forem esclarecidos e virem resultados apoiam e defendem os projetos. Foi isso o que aconteceu na Escola da Ponte. Ela é dirigida pelos pais. Não tem diretor.


Há bons e maus alunos?

Somos todos bons e maus alunos. Há boas e más práticas. E se identificamos necessidades especiais nos alunos, reconheçamos necessidade nos professores. Se é verdade que há dificuldades de aprendizagem, também haverá as de ensinagem. E não há alunos deficientes, mas práticas deficientes.

Um professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. A frase é sua. Mas há professores desmotivados, desanimados, à espera que a reforma chegue rapidamente…

Os alunos aprendem o professor. O despertar da atenção do professor será o despertar da atenção do aluno. As escolas dispõem de excelentes professores a trabalhar do modo errado. E acontece o inevitável: doenças profissionais, idas ao psiquiatra, burnout…

As novas tecnologias vieram para ficar. Devem ou não estar nas escolas? Como é que os pais devem lidar com o «vício» do filho estar sempre agarrado a um tablet, a um computador, a videojogos?

Com ou sem novas tecnologias de informação e comunicação, a escola precisa ser reinventada. Mas do modo como as novas tecnologias estão sendo introduzidas nas escolas, temo que se transformem em panaceias, que apenas sirvam para congelar aulas em computadores, aulas que os alunos, acostumados ao imediatismo e à velocidade dessas tecnologias, acriticamente consumam, sem resquícios de cooperação com o aluno vizinho, dependentes de vínculos afetivos precários, estabelecidos com identidades virtuais. A Internet é generosa na oferta de informação. Basta clicar para repetir, até que a matéria seja compreendida. Tudo aquilo que um professor pode «ensinar» numa aula está plasmado, de modo mais atraente, na tela de um computador. Os professores do «futuro» irão manter-se ancorados em aulas obsoletas servidas por lousas digitais ou irão atualizar-se? Irão replicar aulas congeladas no YouTube e em tablets, ou irão usar o digital ao serviço da humanização da escola? É evidente. As novas tecnologias são incontornáveis. A Internet não é uma ferramenta, é uma sociedade. Apenas será necessário saber o que fazer com as novas tecnologias. É certo que as escolas se têm enfeitado de novas tecnologias, mas sem lograr intensificar a comunicação e a pesquisa. O modo como as escolas utilizam a Internet fomenta imbecilidade e solidão.

A distinção entre ensino público e ensino privado, na maior parte dos indicadores educativos, é regra no nosso país. Essas comparações fazem sentido?

As comparações e os rankings são disparates. Nem vale a pena comentar.

«Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.»

Muitos professores têm de andar com a casa às costas. Não é possível acabar com as fórmulas que colocam docentes tão longe das suas famílias?

Será possível evitar que os professores andem com a casa às costas quando se substituir o velho modelo por novas construções sociais de aprendizagem. Algo difícil dado que professor é a única profissão em que o estágio é feito antes de tirar o curso. Fazem 12 anos a ouvir aulas, entram na faculdade e ouvem aulas, e vão dar aulas. Podem até ouvir falar dos Piagets da vida, mas os estágios são feitos em escolas tradicionais, onde estão excelentes professores tradicionais que trabalham no paradigma do século XIX ou XVIII.

Portugal habituou-se a olhar para os exemplos educativos da Europa do Norte. É tempo de olhar para outros lados?

Portugal não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções. Elas estão cá dentro. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky, Piaget? Onde estão os portugueses? Nunca vi Agostinho da Silva numa sala de aula. A Finlândia extinguiu a Inspeção de Ensino e os exames, mas esqueçam a Finlândia. Dai atenção ao que se passa nos colégios jesuítas da Catalunha. A Europa do Norte e os Estados Unidos são pródigos na divulgação de absurdos e a última «inovação» veiculada pelos media foi a da aula invertida. O que vem a ser isso? Nas palavras do seu «criador«, flipped classroom, ou sala de aula invertida, é o nome que se dá ao método que inverte a lógica de organização da sala de aula. Os alunos aprendem o conteúdo no aconchego dos seus lares, digerindo videoaulas e jogos. Na sala de aula, fazem exercícios. Diz-nos a media especializada que o trabalho de pares foi inventado há cerca de vinte anos. Vinte anos? Há quase um século, o Vygotsky dizia-nos que a aprendizagem é resultante de um processo interativo. Também sabemos que, há mais de trinta anos, o Papert escreveu sobre o assunto. E que, há cerca de quarenta anos, o trabalho de pares era prática comum no quotidiano de uma escolinha de Portugal, muito antes de um professor de Física o ter «inventado.» Os professores portugueses deveriam procurar caminhos de alforria científica e a sua maioridade educacional, sem prescindir do que venha do estrangeiro. Novidades importadas não passam de inovações requentadas.

Acredita numa nova construção social de aprendizagem. O que é que isso implica?

Há quarenta anos, a Ponte provou a possibilidade de romper com o ciclo vicioso da reprodução, conseguiu que uma maioria de alunos oriundos da pobreza alcançasse a excelência acadêmica e a inclusão social. O essencial será a criação de condições de reelaboração da cultura pessoal e profissional dos educadores. Isso compete a uma formação, que, ainda e infelizmente, peca por defeito. Estou a falar de projetos que produzem excelência acadêmica e inclusão social e onde não há organização por idades. Onde as escolas não têm casa de banho do aluno separada de casa de banho do professor, onde os auxiliares de ação educativa ensinam a limpar aqueles que sujam, onde a educação acontece. Onde não há aulas, nem turmas, nem anos, que são dispositivos sem sentido nenhum, sem fundamentação científica. Concebeu-se uma nova construção social de aprendizagem onde todos aprendem e são felizes. Isso é possível.

José Pacheco nasceu no Porto, é mestre em Educação da Criança pela Universidade do Porto. Em 2004, foi eleito comendador da Ordem da Instrução Pública pelo então Presidente da República Jorge Sampaio. Foi eletricista, estudou engenharia e mudou-se para o ensino. Foi professor primário e universitário. «Em miúdo, vivia num meio pobre, era (e continuo) estrábico e, por isso, sofria bullying e era excluído. Fui para o ensino por vingança e fiquei na educação por amor.» Em Portugal, no meio de uma agenda completamente preenchida, tirou alguns momentos para responder a esta entrevista por email.

Entrevista de Sara Dias Oliveira
Fotografia de Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens

Fonte: "http://www.noticiasmagazine.pt/2017/jose-pacheco/"

quinta-feira, 30 de março de 2017

O que cabe à Escola?


Comentários de Rafael Lima de Souza, a partir de postagem de Katharine Akier

Existem concepções diferentes de escola e esse panfleto/jornal, sei lá, defende uma concepção arcaica, obsoleta, que em muito é responsável por um monte de cagada que a gente tem no mundo aí. O que não é nada novo no horizonte, em termos de "Luta para se manter arcaico", escola, professores e profissionais de educação num geral possuem uma maestria ímpar.

A escola é a única instituição que existe com um projeto explícito de educação. Até quando ela decide que ela "Ensina e não educa", ela possui um projeto explícito de educação. E não só isso, ainda que outras instituições também possuam projetos de educação (implícitos), a escola existe *apenas* para isso, diferente das outras instituições.

Mas se ela é a instituição formal com projeto de educação ela não pode abdicar de cumprir sua função. Deve ser uma construção *EM CONJUNTO* com a família? Sim.

Mas a escola não quer construir com a família, ela quer que a família seja totalmente responsável por esse processo, enquanto o papel dela é apenas... depositar conteúdo na cabeça do aluno.

A família muitas vezes não tem condições de cumprir esse papel de forma satisfatória. Isso pode ser por trocentos motivos diferentes (pode ser porque a família não saiba como fazer, pode ser porque a família realmente tá cagando e andando e, por outro lado, tá jogando a responsabilidade 100% na escola, porque a família não está nem aí), mas a escola não pode ter uma posição de "Se vocês não fazem, a gente não faz também".

A escola do jeito que é hoje, é um espaço extremamente pouco acolhedor, que na verdade só afasta dela quem não está dentro do modelo super ultra perfeito de aluno que ela quer. A escola, num geral, quer apenas o "aluno perfeito" e o resto que se vire para se encaixar.

E nesse sentido, como a Kath disse, ela está totalmente deslocada do mundo real. Essa escola existe numa bolha surreal sem sentido onde as pessoas de sucesso são as que sabem como calcular a determinante da matriz e identificar orações subordinadas substantivas objetivas diretas e que não questionam nada, ficam caladas, não têm amigos e aceitam todas as ordens que lhe são impostas.

Onde no resto do mundo estão essas as pessoas que constroem esse mundo?

Como eu sempre digo (E a Denise Vilardo também costuma dizer), a escola quer trabalhar apenas com o aluno que não precisa dela - a escola.

A escola tem um papel a cumprir e abdicar de cumprir esse papel porque o outro lado não está conseguindo fazê-lo é uma irresponsabilidade sem tamanho, para dizer o mínimo. Não pode nunca ser a escola a dizer "eu não vou fazer isso".

E mais uma coisa que eu gostaria de adicionar.

"Respeitar os professores" é um grito desesperado de um profissional que ficou perdido no tempo e não consegue mais ter o respeito do seu aluno simplesmente por causa da sua posição na sala.

Eu estou dando aula para o Ensino Fundamental 2 agora. Muitas vezes é difícil, eles são elétricos, dispersos, um monte de coisas.

Nunca desrespeitosos.

A instituição é que os desrespeita com frequência.

Respeito é algo que você conquista, sempre. Existe um mínimo que se espera entre quaisquer pessoas, qualquer coisa acima disso você consegue porque você conquistou. E não se conquista respeito desrespeitando o outro. É uma construção mútua.

sábado, 5 de novembro de 2016

CONHEÇA OS BILIONÁRIOS CONVIDADOS PARA “REFORMAR” A EDUCAÇÃO BRASILEIRA DE ACORDO COM SUA IDEOLOGIA

Por: Helena Borges -

NA PRIMEIRA AUDIÊNCIA pública feita no Congresso para debater a reforma do ensino médio, na terça-feira, dia 1º, as ocupações foram um dos temas abordados. Contudo, as falas de alguns parlamentares são o desenho perfeito da falta de compreensão das demandas feitas pelos estudantes.

“Eu não consigo entender as motivações contra a reforma do ensino médio.” Deputado Thiago Peixoto (PSD-GO)

Talvez, se as pessoas tivessem mais voz nesse debate, não fosse tão difícil compreendê-las.
Em oposição à total surdez para com os estudantes, os parlamentares são todos ouvidos para outro grupo: os representantes de bilionários presidentes de fundações educacionais. Para as audiências públicas que estão por vir foram convidados sete representantes de fundações e institutos empresariais.

Mas, qual o problema em se ter bilionários na mesa de debate? A princípio, nenhum. Na prática, além do fato de que não existe almoço grátis, é necessário observar o tipo de educação que esses grupos vislumbram como o “padrão de qualidade” – lembrando que a própria existência de um “padrão de qualidade”, quando se fala sobre educação, já é algo bastante questionável.

Fundações costumam se colocar como apartidárias, porém, ao participarem ativamente da criação e execução de políticas públicas — como está sendo o caso no debate sobre a reforma do ensino médio — comportam-se, elas mesmas, como partidos.


É no mínimo curioso que as propostas de reforma do ensino médio tenham ganhado força logo quando a tutela do MEC passa para as mãos de jovens empreendedores e ex-Lemann fellows (o apelido dado aqueles que receberam bolsa da Fundação Lemann). O Diário Oficial da União do dia 2 de setembro avisou sobre a nomeação de Teresa Pontual, ex-bolsista da fundação, para a Diretoria de Currículos e Educação Integral do MEC. Menos de um mês depois, a MP foi assinada.

Outro exemplo é o caso de Maria Helena Guimarães de Castro, uma das sócias-fundadoras do Todos Pela Educação e membro da comissão técnica do movimento, hoje secretária-executiva do MEC à frente da reforma.

Os interesses que ficam por trás destes “partidos” nem sempre são facilmente notáveis. A filantropia pode ser usada para vários fins: o honesto desejo por um mundo melhor, a “lavagem de consciência”, o tráfico de influência, e até a lavagem de dinheiro. Além das óbvias isenções fiscais e imunidades tributárias concedidas às fundações por todas as suas benesses, há um ponto a mais quando se fala da ligação entre fundações educacionais e grandes empresas: a formação dos funcionários.
A média brasileira de gastos com treinamentos é de R$ 518 por funcionário. Seria ótimo se os donos de grandes empresas pudessem economizar esse dinheiro, que significa aproximadamente R$ 1,38 milhão anuais por empresa escoando das companhias com mais de 500 funcionários. Já para a Ambev, de Jorge Paulo Lemann — que também está à frente da Fundação Lemann — significaria uma economia de aproximadamente R$ 20 milhões ao ano, afinal são mais de 40 mil empregados. Se, ao menos, no ensino técnico ou médio já fossem ministrados alguns dos treinamentos necessários aos futuros empregados, empresários como Lemann não precisariam gastar tanto com RH.

Depois de estudantes e professores se manifestarem pedindo um lugar à mesa de debate, o espaço para profissionais de educação foi ampliado. Continuam sendo apenas 2 representantes dos alunos, mas subiu de 3 para 9 o total de professores entre os 57 convidados para audiências públicas na comissão especial. Os lugares de honra, no entanto, permanecem reservados às fundações e institutos empresariais.

A próxima audiência pública, por exemplo, está marcada para a próxima terça, 8 de novembro, e contará com representantes do Instituto Inspirare, Fundação Lemann e Instituto Unibanco. Muitos dos representantes destes organismos receberam até mais de um convite, todos feitos pelos 24 parlamentares integrantes da comissão, para ir ao púlpito. Serão necessárias outras audiências, no entanto. Afinal, são muitos os representantes de fundações e institutos empresariais.


Quem o governo quer ouvir:

1_ Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann

A fundação de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil e 19º entre os mais ricos do mundo. Espécie de “Midas”, todos seus investimentos são certeiros e ajudam a engordar ainda mais a fortuna de R$ 103,59 bilhões do “rei da cerveja”. Não por coincidência, uma de suas mais recentes apostas é a Escola Eleva, que tem foco no ensino médio e atua em período integral.

2_ Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco


O Instituto Unibanco é presidido por Pedro Moreira Salles, o 9º colocado da lista dos bilionários brasileiros, com R$ 12,96 bilhões. Empatados na mesma posição estão seus irmãos Walter Jr, João e Fernando. O principal projeto do IU, Jovem de Futuro, está comemorando uma década. Criado a partir de uma parceria com o MEC e com as secretarias estaduais, o instituto oferece consultorias e treinamentos aos gestores de escolas públicas de ensino médio. Para colocar as metodologias em prática, porém, é necessário que a escola adote a plataforma tecnológica criada pelo instituto, que passou a constar no Guia de Tecnologias do MEC.

3_ Ana Inoue, consultora de educação da Fundação Itaú

A Fundação Itaú é presidida por Alfredo Egydio Setubal. Pedro Moreira Salles faz parte do conselho curador. Os dois são membros do conselho administrativo do banco Itaú Unibanco, que controla tanto a Fundação Itaú quanto o Instituto Unibanco.

O trabalho da Fundação é, em parcerias com secretarias municipais e estaduais, oferecer consultorias para treinamento de gestão aos secretários de educação e aos diretores de escolas.

Sobre seus interesses políticos, o secretário de Educação da Paraíba, Aléssio Trindade, que, inclusive, também consta na lista de convidados pela comissão especial, resume: “o Itaú-BBA lidera uma ação do Consed junto ao MEC, que é a reforma do Ensino Médio, com a inserção da educação profissional”.

4_ Anna Penido, diretora executiva do Instituto Inspirare

O Instituto Inspirare é presidido por Bernardo Gradin, o 47º colocado na lista dos 70 maiores bilionários do Brasil. A origem da fortuna de R$ 4,16 bilhões são empresas de construção e petroquímica. Ex-presidente da Braskem, empresa petroquímica, e ex-acionista da Odebrecht, Gradin foi mencionado por outro “ex” em delação premiada na Lava Jato: Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras disse ter tratado de “pagamentos de vantagens ilícitas” a ele.

Seu instituto está envolvido na proposta de “educação integral na prática”; plataforma que “disponibiliza recursos organizados em eixos temáticos para apoiar gestores e equipes técnicas na elaboração, implementação e avaliação de programas de educação integral”. Outra iniciativa é a “Escola Digital”, uma plataforma virtual que oferece ferramentas pedagógicas como vídeos, jogos, mapas e livros digitalizados.

5_ Priscila Fonseca da Cruz, presidente-executiva do “Todos pela Educação”

O presidente do Conselho de Governança do T.P.E. é Jorge Gerdau Johannpeter, que já figurou na Forbes como 48º colocado na lista dos bilionários, em 2012. Hoje seu nome ainda aparece na famosa lista, mas com menos destaque, já que seus módicos R$ 1,56 bilhão mal fazem sombra aos demais concorrentes.

Como prêmio de consolação, entrou para uma nova lista, a dos brasileiros nomeados nos “Panama Papers”, maior vazamento de documentos da história. Na lista, figuram 22 empresários nacionais que possuem ligação a companhias abertas em paraísos fiscais. A de Gerdau consta como aberta em 2005, para captar recursos no exterior, e desativada em agosto de 2009.

O T.P.E. já se consagrou como influência nas políticas públicas de educação. Fundado em 2006 como um movimento social, um ano depois, deu nome a um decreto que estabelecia as diretrizes do compromisso com o plano de metas.

6_ David Saad, Diretor-presidente do Instituto Natura

Antônio Luiz Seabra, fundador da Natura é dono de uma fortuna que totaliza R$ 4,12 bilhões. O Instituto Natura é o principal parceiro do ICE em seus trabalhos de consultorias dadas a secretarias estaduais de educação para implantação do ensino médio integral. Para entender seu papel, é preciso, então, chegar ao último convidado VIP.

7_ Marcos Magalhães, Presidente do Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE)

Engenheiro aposentado, Marcos Magalhães não desfruta de fortuna como os demais listados. Seu tesouro é outro: a amizade com o atual ministro da educação, Mendonça Filho.

Em entrevista realizada em 2012, Magalhães explicou o funcionamento de seu trabalho: “Houve uma parceria em que nós trabalhamos, uma parceria público privada (PPP) entre a secretaria e parceiros. Esses parceiros compreendem ONGs e grupos empresariais locais do estado. Os grupos aportam o recurso financeiro, e o ICE faz a consultoria.”

As consultorias são para implantação de ensino médio integral. Partem de uma experiência considerada exitosa, em Pernambuco, estado do ministro. Já foram registrados casos de parcerias e contratos com secretarias de educação apontados como irregulares. Nada que tivesse despertado a atenção da grande mídia ou de órgãos investigadores.

Na mesma entrevista de 2012, Magalhães deixou bem claro o que já pensava sobre os profissionais de educação: “A gente fala que pedagogo tem visão um pouco, digamos, estreita do que é modelo educacional.” [ênfase adicionado]


A GENEROSIDADE É TAMANHA que chega a despertar curiosidade. No caso específico do banco Itaú, por exemplo — dono da Fundação Itaú e do Instituto Unibanco — é do tamanho de uma pilha de R$ 188,8 milhões de reais, tudo investido apenas em educação e apenas em 2015, de acordo com suas demonstrações contábeis.
Nos artigos publicados por especialistas do Itaú sobre educação, o tom não é exatamente de caridade. Em “Educação, produtividade e crescimento”, de janeiro deste ano, pode-se ler:

“Em 1992 os brasileiros estudavam 4,8 anos, em média.

Em 2014, o número subiu para 8 anos.

Com esses resultados, a produtividade da mão de obra no Brasil deveria estar aumentando, contribuindo para o crescimento do PIB potencial do país. No entanto, as estimativas de evolução da produtividade calculadas a partir das contas nacionais e dos números do mercado de trabalho sugerem que, na melhor das hipóteses, a produtividade ficou constante. Por que isso acontece?”

Fica bem claro que a mentalidade do investimento em educação é aumentar a produtividade da massa trabalhadora. Inclusive, essa é a ideia por trás da reforma do ensino médio: formar a massa trabalhadora, e não indivíduos pensantes. É o que critica a professora de educação física Viviane Coelho:

“As crianças e os adolescentes, eles têm que passar por essa experimentação. Até porque quando eles se formam no ensino médio eles não têm uma exata noção do que eles querem fazer, estão numa fase de transição. Então todas as matérias são importantes. Mesmo que não seja a aptidão, mas que se forme, que tenha a informação, então o aluno se forma de uma maneira mais global.”

Essa mentalidade de formação de massa trabalhadora fica desenhada no sumário executivo sobre a reforma, publicado pelo Senado:

Ainda sobre o artigo publicado pelo Itaú, o próprio texto responde à pergunta final (“por que a produtividade não aumenta, apesar dos investimentos em educação?”) com três possíveis motivos:

1 – “As condições socioeconômicas para dar às crianças boas condições de desenvolvimento no Brasil ainda estão longe dos padrões internacionais”

2 – “Houve avanço na quantidade de pessoas na escola e de tempo de permanência, mas não há sinais de que houve melhora na qualidade do ensino”

3 – “O país ainda não parece ter encontrado a melhor forma de gerar incentivos, via legislação, na direção de aumentos de produtividade”

Caso o número três não tenha ficado claro, o economista Caio Megale, que assina o artigo, explica: “Desta forma, o impulso gerado pela educação, em países com legislações mais flexíveis, pode estar amortecido no Brasil”. Ou seja, apesar das melhorias na educação, pode ser que nossa lei trabalhista esteja no caminho de um aumento de produtividade.

O estudo “Ensino Médio no Brasil e a privatização do público”, de Maria Raquel Caetano, Doutora em Educação pela UFRGS, explica como essa influência de ideologia liberal se dá na prática educacional: “Não são simplesmente os serviços de educação e de ensino que estão sujeitos a formas de privatização: a própria política de educação – por meio de assessorias, consultorias, pesquisas, avaliações e redes de influências”.

Usando uma ideia de falta de produtividade da escola, o desempenho em avaliações nacionais é usado para justificar a necessidade de apoio do setor privado. Usando a melhoria da gestão como argumento, aceita-se a contratação de serviços de formação de professores e gestores, consultorias educacionais e serviços de avaliação. Ideia que, inclusive, vem sendo apresentada como justificativa para a MP da reforma do ensino médio.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Medida Provisória nº 746 de 22 de setembro de 2016

Sobre a Medida Provisória 746, de 22 de setembro de 2016

Na surdina foi publicada, em 25 de outubro de 2016, a MP 746.

Resumo:

Promove alterações na estrutura do ensino médio, última etapa da educação básica, por meio da criação da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Amplia a carga horária mínima anual do ensino médio, progressivamente, para 1.400 horas. Determina que o ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio. Restringe a obrigatoriedade do ensino da arte e da educação física à educação infantil e ao ensino fundamental, tornando as facultativas no ensino médio. Torna obrigatório o ensino da língua inglesa a partir do sexto ano do ensino fundamental e nos currículos do ensino médio, facultando neste, o oferecimento de outros idiomas, preferencialmente o espanhol. Permite que conteúdos cursados no ensino médio sejam aproveitados no ensino superior. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC e por itinerários formativos específicos definidos em cada sistema de ensino e com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Dá autonomia aos sistemas de ensino para definir a organização das áreas de conhecimento, as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem definidas na BNCC.


O primeiro estranhamento é a necessidade de estabelecimento de uma Medida Provisória.

Afinal: Medida Provisória é um dispositivo que integra o ordenamento jurídico brasileiro, que é reservada ao presidente da República e se destina a matérias que sejam consideradas de relevância ou urgência pelo Poder Executivo. Tal “ferramenta” jurídica é regulada de forma exclusiva pelo artigo 62 da Constituição Federal em vigor, que determina:

“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em Lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.”



Não consegui perceber nenhum motivo emergencial que justificasse tal ato. Mas é apenas a minha visão.



1.
Art. 24

Sai:

A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares;
V - a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos;
VI - o controle de freqüência fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação;
VII - cabe a cada instituição de ensino expedir históricos escolares, declarações de conclusão de série e diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com as especificações cabíveis.

Entra:

Parágrafo único.  A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação.

2. Será que a urgência de uma MP está aqui?

Substituição de:

Art. 26

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.

Por:  § 1º  Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.

Trocar “Brasil” por “República Federativa do Brasil” é urgentíssimo!

3.

Sai:

§ 2o  O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.  

Entra:  

§ 2º  O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

Ou seja, Artes sai do Ensino Médio.


4.

Sai:

§ 3o A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: 

Entra:

§ 3º  A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno:

Mesma situação das Artes: Educação Física sai do Ensino Médio.


5.

Sai:

§ 5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.

Entra:  

§ 5º  No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.

Ou seja: o ensino de uma Língua Estrangeira era obrigatório a partir do 5º ano e poderia ser escolhida pela comunidade escolar. Agora, a Língua Inglesa deverá ser ofertada.
Não é obrigatório o ensino de Língua Estrangeira alguma no Ensino Fundamental e, no Ensino Médio, a obrigatoriedade é da Língua Inglesa.



6.

Sai:


§ 6o  A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.  

Entra:

§ 6o  As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2o deste artigo.  

Ou seja, a música não é mais conteúdo obrigatório e, como as outras expressões artísticas, não existe no Ensino Médio.


7.

Sai:

§ 7o  Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios.

Entra:

§ 7º  A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput. 

Ou seja: Princípios de Proteção e Defesa Civil (que ainda estavam sendo implementadas gradualmente) e Educação Ambiental passam a não ter mais caráter obrigatório junto aos outros conteúdos.


8. Considero avanço:

Sai:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.   

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. 

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. 

Entra:

Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. 

§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. 

§ 2o  Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.   

Ou seja, acrescenta a contribuição indígena à formação da sociedade brasileira.


9.

Entra:


§ 7º  A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput.

10.

Entra:

§ 10.  A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular* dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação - Undime

* em discussão.

11.

Art. 36

Sai:


Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

Entra:  O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional.

Sai:

I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

Entra:

I - linguagens;   

Sai:

II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

Entra:

II - matemática;  

Sai:

III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.

Entra:

III - ciências da natureza;

Sai:

IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.   

Entra:

IV - ciências humanas; e 
V - formação técnica e profissional.

Ou seja: não retiraram a Filosofia e a Sociologia. Englobaram tudo em Cências Humanas. O que era especificado, deixou de ser e passou a ser expressado como Área de Conhecimento, conforme a organização nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que serão substituídos pela Base Nacional Comum Curricular.
Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física deixam de ser obrigatórias. Segundo o BNCC - que está em discussão - essas disciplinas serão ofertadas e poderão ser cursadas mediante o interesse do aluno e com vistas ao curso universitário ou profissão que ele pretenda seguir depois.
Ao que parece, as demais disciplinas também serão facultativas – Química, Biologia, Física, História e Geografia – serão opcionais a quem queira ingressar em áreas em que haja maior predominância do conhecimento delas.
De qual quer maneira, entendo que não haverá impedimento para que um aluno que queira ser engenheiro, por exemplo, e que goste de História, agregue a disciplina de História ao seu "itinerário formativo" ou mesmo que adicione mais outras disciplinas, se assim desejar.
Mas isso se choca com o Art. 26-A, que expressa: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena."


Entra:  

§ 1º Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput.


Sai:

§ 3º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.

Entra:  §

3º  A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino

Entra:  

§ 5º  Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme diretrizes definidas pelo Ministério da Educação.

§ 6º  A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.

§ 7º  A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar integrada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.

§ 8º  Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. 

§ 9º  O ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio.

Ou seja, são as únicas disciplinas especificadas como obrigatórias. Além da Língua Inglesa.

§ 10.  Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput. 

§ 11.  A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput considerará:

I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e  
II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade.

§ 12.  A oferta de formações experimentais em áreas que não constem do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos dependerá, para sua continuidade, do reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da data de oferta inicial da formação.

§ 13.  Ao concluir o ensino médio, as instituições de ensino emitirão diploma com validade nacional que habilitará o diplomado ao prosseguimento dos estudos em nível superior e demais cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino médio seja obrigatória.

§ 14.  A União, em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular.

§ 15.  Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.

§ 16.  Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação.

§ 17.  Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:
I - demonstração prática;  
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;  
III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;    
IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;   
V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e  
VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias.  


Ou seja, podemos concluir que a única urgência existente é a retirada da obrigatoriedade de algumas disciplinas.



Por enquanto é só, pessoal!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

‘Nossa educação hoje é castradora e elimina líderes’

Por Viviane Mosé

Para Viviane Mosé, o ensino no Brasil ainda é preso a uma estrutura do passado, que trata o aluno como um decorador de conteúdos


Qual foi seu objetivo ao escrever o livro ‘“A escola e os desafios contemporâneos”?

Sou professora há 30 anos. Logo que entrei na universidade, já dava aula para professores de maternal e jardim de infância, sobre psicologia do desenvolvimento. Recentemente, visitei mais de 50 municípios, fazendo palestrar para professores em espaços que às vezes reuniam mais de mil deles para trocar ideias. Fiz uma série de programas sobre educação, que foi ao ar no Canal Futura, em que abordava questões como o que é educar, o que é aprender ou de que maneira incentivamos o ser humano a ter um tipo de cognição mais ampla. Esta abordagem combinou com minha linha de pesquisa na Filosofia, na qual eu faço uma crítica, que vem de Nietzsche, ao modelo lógico-racional de pensamento, à linearidade, por achar que ela produz exclusão social, por só aceitar o que é certo ou errado, o bem ou mal.

Hoje, vivemos numa sociedade globalizada, com novas estruturas de comunicação em rede. Este novo modelo de sociedade em rede abre perspectiva para um raciocínio complexo, que aceita contradição. Temos de fato a democratização do acesso aos conteúdos. Não apenas aos dados, mas ao raciocínio em tempo real. Antes, dizíamos que a internet havia permitido acesso aos dados, mas que isso não tinha nada a ver com conhecimento. Hoje, o que temos nas redes sociais é conhecimento produzido em tempo real. Para ter acesso a este conhecimento, o que você precisa é ser aceito por um grupo que esteja discutindo aquele tema de seu interesse. E conhecimento sempre foi sinônimo de poder.


Não é angustiante para um professor ter que se adaptar a esta nova sociedade, tão influenciada por novas tecnologias de comunicação sem ter conhecimento desas tecnologias?

Uma escola para ser contemporânea não precisa ter nenhum computador em sala. Temos de trabalhar com o raciocínio, e não com dados. Já temos um número de acesso à internet altíssimo, mesmo nas classes populares. Professores e alunos já fazem uso de tecnologia em casa, eles já acessam Facebook. Não é este o problema. A revolução da tecnologia é uma revolução da memória externa. O que o professor tem que entender é que decorar é inútil. Até então, precisávamos decorar para ter conteúdo. Mas, hoje, se você não lembra do conteúdo, você o acessa pelo celular. A internet é um lugar tanto perigoso como maravilhoso.

Temos hoje é que priorizar na educação a figura do pesquisador. O objetivo tem que ser, desde os 6 anos de idade, formar pesquisador. Desta maneira, estaremos dando a uma criança capacidade crítica para que ela faça os recortes corretos na rede. Se você mantém o modelo educacional em que o aluno é passivo, ele fica vítima desta rede. Nossa memória não é mais um banco de dados. Ela é uma memória viva, presente. Professor não ensina, é o aluno que aprende. Isso muda as relações de poder dentro da escola. A única possibilidade que temos para a educação é pensar no aluno pesquisador, capaz de desenvolver soluções para este mundo que desaba, que está em crise. Neste sentido, a crise é excepcional, pois precisamos de respostas que nos levem à transformação em uma sociedade mais justa e sustentável.

Não é demais esperar que o professor faça esta revolução em sala de aula tendo que seguir um currículo ainda ultrapassado?


Isso é um mito. Nas escolas brasileiras, na maioria dos municípios, não há currículo nem nunca houve. O que o professor geralmente faz é seguir ementas que um professor contratado há 30 anos criou. O professor diz que segue um currículo que, na prática, ninguém sabe o que é. Mas o fato é que o MEC, há pelos menos 20 anos, tem uma postura muito mais aberta com relação ao currículo. É comum ouvir que é o ministério que não permite que os professores mudem, mas isso não é verdade.


Você em seu livro defende que as escolas tenham autonomia para definir o currículo. Mas, ao mesmo tempo, se as deixarmos totalmente livres para escolher o que será ensinado, poderemos negar a crianças o aprendizado de coisas básicas, que fazem parte do currículo mínimo, como ler e escrever bem, fazer contas...

O MEC hoje já tem os Parâmetros Curriculares Nacionais, que definem o mínimo a ser aplicado em todas as escolas. A autonomia não é 100%, claro. Mas meu ponto é que é possível encontrar uma maneria própria de lidar com estes parâmetros. Fora este mínimo comum, cada escola tem que discutir com a sua comunidade o que é prioritário para ela. Do contrário, vamos acabar trazendo não só médicos cubanos, mas também lideranças estrangeiras para assumir postos de comando no país. O principal problema das grandes empresas hoje não é em contratar funcionários pequenos. O problema é não ter quem ocupe sua presidência. Com esta educação que nos ensina a ser passivos, que precisa de apostilas para ensinar, não vamos formar empreendedores ou lideranças.

Ao final do ensino médio, no entanto, muitas escolas abandonam iniciativas pioneiras para preparar seus estudantes para a prova. Como fazer essa transição sem mudar o vestibular?

De fato, o vestibular é uma prova de conteúdo. Mas já temos o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que é um exame que valoriza a competência e a habilidade. O vestibular ainda se fundamenta na memória. Na USP, o aluno que passa é aquele que sabe o que ninguém sabe. Mas a revolução tecnológica elimina o vestibular porque não será mais possível este modelo de prova, já que será inviável controlar se um candidato está fazendo a prova com uma pulseira transparente que dá acesso à internet, por exemplo. As provas de seleção terão que admitir o uso destas tecnologias.

O Enem, criado para ser um modelo alternativo, não está virando justamente uma prova com aquilo que você tanto critica nos vestibulares?

Sim. Ele está perdendo suas características originais pelas pressões que vem sofrendo. Estão surgindo nos últimos anos questões que não correspondem ao que ele precisa. A sociedade tem que defender o Enem original, menos conteudista e mais voltado para a avaliação de habilidades e competências. Em vez de querer saber o que você aprendeu, o que precisamos é avaliar o que você sabe fazer com o que aprendeu.

Mas como fazer esta revolução toda sem mexer na formação do professor?

De fato, a universidade hoje é o que há de pior na educação brasileira, mas o curioso é que nós não a criticamos. O sistema universitário é horroroso, fragmentado, feito como uma linha de montagem com centros de saber separados uns dos outros. Temos uma instituição velha, que vive isolada e se recusa a ler o presente. Isso é muito grave. É da universidade que saem as pessoas que vão formar as pessoas.

Este modelo de escola que você propõe não seria algo mais artesanal, que pode funcionar muito bem num caso ou no outro, mas com poucos resultados quando se trata de uma educação de massa?

Acabou a educação de massa. Não temos nem mais meios de comunicação de massa. A pior coisa para a educação é um ensino de massa, com apostilas preparadas para um ser humano único. Temos que ter uma escola que incentive os alunos a descobrirem seus próprios talentos.

Mas temos mais de 30 milhões de alunos. Não é uma massa?


Não. Cada aluno estuda numa escola, numa comunidade, que tem que ter uma gestão autônoma. Aliás, temos hoje um problema sério de gestão da educação no país. Tanto por parte de gestores de políticas públicas, da dificuldade de interagir com várias instâncias municipais, estaduais e federais, como por parte da gestão de sala de aula.

Mas não coloco a culpa nos professores. A maioria deles está, sim, interessada em fazer mudanças. O problema é que temos uma estrutura herdada do regime militar, em que conteúdo chama-se disciplina, currículo é grade e avaliação é prova. Tiramos, por exemplo, Sociologia do currículo para incluir disciplinas técnicas. Como vamos querer que a população pense assim?

O nosso desafio hoje não é dar diploma, mas dar poder à população de saber. Não adianta a classe C botar roupa bonita e comprar carro, pois será excluída igualmente deste sistema. Interessa é que a pessoa pensa, elabora. O desafio da escola é ser um a um. O futuro da educação é um a um, é a escola respeitar um a um.

Temos que acreditar na nossa juventude como criadora de conteúdo, mas estamos ensinando ainda como um país submisso, que faz com que crianças se enquadrem numa estrutura que não é mais contemporânea. A nossa educação é castradora, está sempre cortando a cabeça dos líderes e inteligentes. A nossa melhor educação elimina as nossas lideranças. Este é o problema.



Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/nossa-educacao-hoje-castradora-elimina-lideres-diz-filosofa-9878735#ixzz40Qx255mr

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pluralidade na educação


Quanto mais variado for o leque de opções ao alcance de cada família, mais bem atendidas estarão as crianças e a sociedade como um todo

POR PEDRO FLEXA RIBEIRO


Está em pauta a consulta pública sobre a Base Nacional Comum Curricular. É consenso a necessidade de se universalizar as oportunidades educacionais e a urgência de se garantir uma boa escolaridade. Convém que a sociedade se mobilize para superar as desigualdades.

A educação de qualidade será posta ao alcance da sociedade pela coexistência de diferentes projetos pedagógicos. Cada família tem o direito de decidir sobre o tipo de ensino que deseja para o seu filho. Os valores em vigor em cada projeto se refletem no sistema de avaliação e promoção e em processos como os de ingresso e de inclusão, indicadores úteis e preciosos para orientar na tarefa de identificar aquela que melhor corresponde às suas expectativas.

Quanto mais variado for o leque de opções ao alcance de cada família, mais bem atendidas estarão as crianças e a sociedade como um todo. Essa diversidade é uma virtude a ser celebrada e cultivada. É um patrimônio da sociedade a ser preservado e aperfeiçoado.

Tanto a Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foram sábias ao entender que a qualidade de um sistema de ensino decorre de sua diversidade. A legislação maior do país convoca cada estabelecimento de ensino a desenvolver o seu projeto educativo a partir de sua identidade e vocação institucional.

Daí o equívoco de legislações posteriores à LDB que pretendem impor a todas as escolas formas padronizadas de procedimento. Infelizmente, os primeiros 15 anos desse século ficarão marcados pela crescente interferência do Estado sobre as escolas. A tutela do governo atinge não somente a rede oficial, como também os estabelecimentos privados de ensino.

A proposta encaminhada pelo governo alega os mesmos objetivos presentes na LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas agora a diversidade dos projetos pedagógicos seria assegurada por uma “parte diversificada” restrita a 40% da carga horária. Os demais 60% seriam dedicados necessariamente a conteúdos comuns e obrigatórios, quer na rede oficial ou privada, para escolas laicas ou religiosas, brasileiras ou estrangeiras.

No entanto, a leitura do documento revela que se mantém o inchaço do currículo e a tendência ao seu estreitamento e padronização. É desejável que concepções diversas coexistam. Algumas abordagens poderão ser mais bem desenvolvidas na parte diversificada, não devendo constar da base comum obrigatória. Assim, cada família poderá exercer o direito de escolher que valores e perspectivas deseja passar para seus filhos. Por isso é tão importante que coexistam escolas diferentes umas das outras.

É temerário que o sistema educacional e o currículo escolar sejam mobilizados em função da hegemonia de uma determinada visão, qualquer que seja ela e por maiores que sejam os seus méritos. O dogma do “politicamente correto” estabelece um cenário cada vez mais padronizado. A crescente tutela do Estado reduz a autonomia de professores e desconsidera a capacidade de discernimento das famílias. Restringe a liberdade de quem ensina e os direitos da sociedade. A forma pela qual essas questões vêm sendo conduzidas ao longo dos últimos anos limita cada vez mais a liberdade de ensino.


É oportuno reafirmar que a sociedade não será mais bem atendida por um sistema educacional homogêneo. É equívoco pretender-se um consenso universal acerca de como seja equacionado um único processo escolar de qualidade. Jamais haverá uma única e mesma solução adequada para todos. É um engano supor que o bom caminho para a democratização do sistema educacional seja uniformizar o trabalho das escolas.

O melhor percurso a ser seguido é o já apontado tanto pela LDB quanto pela Constituição. Cabe frisar que não se trata da defesa apenas de prerrogativas de escolas e de educadores. Antes disso, a liberdade de ensino constitui direito da sociedade como um todo e de cada família isoladamente considerada. Por fim, favorece a liberdade de pensamento, condição para o aperfeiçoamento da democracia.

Pedro Flexa Ribeiro é educador