quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sobre Educação e laptops

Em resposta a ESCOLAS DA FINLÂNDIA NÃO REVELAM PAIXÃO PELO COMPUTADOR, publicada em terça-feira, 1 de dezembro de 2009 - http://questoesdeaprendizagem.blogspot.com/2009/12/escolas-da-finlandia-nao-revelam-paixao.html

Sr. Ethevaldo, vamos por partes, que são muitas...

Logo na sua primeira frase: A Finlândia oferece à sua população aquela que é considerada a melhor educação entre todos os países do mundo. É a melhor, sem dúvida, para os finlandeses, porque deve dar os melhores resultados para o projeto de sociedade que esse país valoriza. A sequência de motivos que supostamente garante o sucesso dos resultados, reitera que o que é melhor para cada um, é o que é mais adequado para cada um. O que não quer dizer que o modelo deles sirva - ou seja melhor - para qualquer outro país.

Em relação ao depoimento do professor, no segundo parágrafo, eu, particularmente, preferia ouvir de um professor que ele se sente responsável pela formação emocional e intelectual dos seus alunos para o mundo de hoje - o futuro é imprevisível - que ele se mostre comprometido com a formação de pessoas melhores, para além do próprio conhecimento. O mundo está cheio de gente sabida e sem caráter. Precisamos de pessoas que tenham consciência e ajam em prol de um meio ambiente decente e da não violência. Precisamos de humanidade.

Em nenhum momento da minha vida profissional docente me senti desrespeitada pela minha escolha. Meu salário não é maravilhoso, mas é condizente com o que ganha a maioria da população do meu país. Não tenho nenhum desejo de participar de classe de grandeza alguma. Sou da classe dos seres humanos.

O Sr. Ethevaldo tem muita certeza da "dose certa, no momento exato e de modo correto", como se fossem coisas quantificáveis e verdades iguais para todos. Em seguida, exemplifica o "uso correto" dos computadores como sendo um curso ministrado - Sr. Ethevaldo, ninguém ministra mais aulas há algum tempo. Ministram-se palestras, ministram-se remédios. Ministrar significa `passar algo`, `transmitir', 'dar`; significa uma atitude ativa (de quem transmite) e uma atitude passiva (de quem recebe). Aulas, em escolas, pressupõem interatividade, análises, desconstruções, reconstruções, recriações e criação de novos conhecimentos -. O que nos leva ao próximo passo: um curso que prepara para o `uso competente` dos computadores e da internet? O que é o uso competente de computadores e da internet? Conhecer e utilizar o pacote office? Saber pesquisar no google? Lidar com as coisas 'sérias' da web? Isso é pouco, é muito pouco, queremos e precisamos de muito mais.

Mais uma vez, Sr. Ethevaldo, o que é considerado 'uso competente' dos computadores para o sistema educacional finlandês, pode ser considerado pouco competente para nós.

E, chegamos ao UCA - no Brasil, é "Um Computador por Aluno" -, baseado nas ideias da OLPC.

Somos, sim, Sr. Ethevaldo: bem intencionados, idealistas e apaixonados pela Educação, pelas crianças e jovens de nosso país emergente (esse termo ainda é utilizado para nos caracterizar?)

Meu Deus, Sr. Ethevaldo, por favor, saia um pouco do senso comum e tente racionar com outras partes do seu cérebro. Estou certa que o sr. é capaz. Quer dizer que, na sua concepção, alunos do RJ e de SP não poderão transitar com os seus laptops? Está certo... a violência urbana é muito ruim no RJ e em SP; já nas outras capitais... Procure se aproximar mais do Projeto e conhecer um pouco mais a fundo as alternativas já pensadas e postas em prática sobre essa questão. Em Porto Alegre (que, segundo o seu ponto de vista, deve ser uma cidade muito segura) os alunos já levam e trazem os laptops para casa há 2 anos, sem incidentes.

Voltamos ao mote. O que é bom para os finlandeses não é necessariamente o melhor para nós. O que o faz pensar que a utilização rotineira dos laptops é sem critérios? O que o leva a acreditar que professores brasileiros não pensam, não planejam, não avaliam, não têm objetivos de ensino? Quem informou ao sr. que não existem projetos pedagógicos bem definidos (e adequados a cada escola) dentro do UCA? O sr. já deve ter ouvido falar nas Universidades Federais. Pois são elas que dão suporte regional aos projetos das escolas, de maneira coordenada pelo MEC. Os maiores expoentes em Tecnologia Educacional e áreas afins, do nosso país, estão envolvidos no UCA.

Quanto ao aproveitamento dos alunos, as nossas pesquisas demonstram justo o contrário: os alunos ficam mais atentos e produtivos diante dos laptops. Ou o sr. acredita que um aluno de 15 anos, ficar ouvindo um professor de Biologia discorrer sobre a duplicação do DNA e a síntese das proteínas, quieto - sem perturbar o professor - está concentrado na aula? O sr. lembra da sua infância e juventude? Pensava em brincadeiras, nos amigos, e em sexo enquanto seus professores falavam lá na frente? Pois é, Sr. Ethevaldo, mudou muito não. Nossas crianças e jovens continuam pensando nas mesmas coisas, incluindo diferentes maneiras de provocar os professores...

Antes que eu esqueça, Sr. Ethevaldo, computador não é ferramenta didática. Computador não é projetor de slides, álbum seriado ou retroprojetor. Computador é maneira diferente de pensar, que envolve novas organizações, relacionamento entre pessoas e elementos, arquivamento de dados, pesquisa e criação. Computadores ligados na web são formadores de novas concepções sociais, ambientais, artísticas e econômicas.

Meu Deus, Sr. Ethevaldo, o sr. vive em que planeta? E está com medo de quê? Parte de um princípio de que os alunos já devem vir de casa sabendo alguns aplicativos... é como dizer que os alunos pequenos já deveriam vir para a escola alfabetizados... Isso seria ótimo, não? Pouparia muito trabalho aos professores alfabetizadores... além de achar, realmente, que estamos na Finlândia, porque acredita que os alunos tenham computadores em suas casas. E termina esse parágrafo, falando da utilização dos computadores para 'ilustrar' as aulas, com se fossem gravuras (haja reducionismo, né?), e sob `estrita orientação do professor`... vai que um aluno `esperto`queira entrar num orkut ou msn, hein? Que pesadelo! Sr. Ethevaldo, não se educa com proibição. Educa-se com consciência. Pais e professores têm que orientar a utilização da internet, da mesma maneira que a minha mãe me dizia para não aceitar balas de estranhos na rua... mas nem por isso me impedia de andar nas ruas.

Realmente, concordamos aqui, Sr. Ethevaldo, nenhuma tecnologia por si só vai revolucionar a qualidade da educação no nosso país. Mas, fiquei curiosa, onde é que o sr. ouviu falar que os professores esperam essa mágica?

E aí, lá vamos nós outra vez. De todos os fatores que o sr. cita como sendo fundamentais para que exista uma real melhoria na qualidade do ensino no nosso país, concordo com quase todos, acrescentaria outros. Mas vou me deter apenas no último: "envolvimento direto da família e da sociedade no problema da educação". De qual família estamos falando, Sr. Ethevaldo? Daquela idealizada nos livros didáticos da década de 50, constituída de pai, mãe, filho, filha, avó, avô (todos brancos) e uma empregada (negra) agregada?

Sr. Ethevaldo, as famílias, atualmente, têm as mais diferentes formações, poucas são as que mantém uma formação tradicional. No caso das crianças muito ricas, quem cuida delas são a babá e o motorista - os pais costumam estar sempre viajando; no caso dos que têm condição financeira mediana, quem cuida é a avó - os pais, normalmente divorciados, estão trabalhando - e, no caso dos alunos de pouca condição financeira: ninguém ou o irmão mais velho de 8/10 anos (a mãe trabalha e o pai sumiu). Essas realidades não são boas nem ruins. Apenas são. Pra qual destas famílias o sr. acha que devemos atribuir a responsabilidade de um maior envolvimento com a escola? A educação, de uma maneira bem abrangente, é de responsabilidade da escola. Sabe por quê? Porque não estamos na Finlândia!

Quase concluindo... não temos escolas de 1o e 2o graus desde 1996... Desde então, chamamos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. O `projeto eleitoreiro`, como o sr. denominou, começou em 2006. O sr. já profetizou que os resultados do projeto serão nulos. Volto a pedir que o sr. procure conhecer um pouco mais sobre o assunto, porque já temos resultados muito bons. Se precisar, posso ajudá-lo com a pesquisa que deveria ter sido feita, antes do sr. escrever o seu texto.

Vou aproveitar e pedir outra coisa ao sr.: leia um pouco de Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro e Milton Santos. Quem sabe o sr. passe a compreender melhor quem somos nós, brasileiros, e com alguma sorte, quem sabe o sr. venha até a gostar de ser um deles. De quebra, escute Chiquinha Gonzaga, Villa Lobos e Tom Jobim.

Denise Vilardo
Profa. da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro
Coordenadora Pedagógica do Colégio Graham Bell/RJ