terça-feira, 24 de novembro de 2015

Pluralidade na educação


Quanto mais variado for o leque de opções ao alcance de cada família, mais bem atendidas estarão as crianças e a sociedade como um todo

POR PEDRO FLEXA RIBEIRO


Está em pauta a consulta pública sobre a Base Nacional Comum Curricular. É consenso a necessidade de se universalizar as oportunidades educacionais e a urgência de se garantir uma boa escolaridade. Convém que a sociedade se mobilize para superar as desigualdades.

A educação de qualidade será posta ao alcance da sociedade pela coexistência de diferentes projetos pedagógicos. Cada família tem o direito de decidir sobre o tipo de ensino que deseja para o seu filho. Os valores em vigor em cada projeto se refletem no sistema de avaliação e promoção e em processos como os de ingresso e de inclusão, indicadores úteis e preciosos para orientar na tarefa de identificar aquela que melhor corresponde às suas expectativas.

Quanto mais variado for o leque de opções ao alcance de cada família, mais bem atendidas estarão as crianças e a sociedade como um todo. Essa diversidade é uma virtude a ser celebrada e cultivada. É um patrimônio da sociedade a ser preservado e aperfeiçoado.

Tanto a Constituição quanto a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) foram sábias ao entender que a qualidade de um sistema de ensino decorre de sua diversidade. A legislação maior do país convoca cada estabelecimento de ensino a desenvolver o seu projeto educativo a partir de sua identidade e vocação institucional.

Daí o equívoco de legislações posteriores à LDB que pretendem impor a todas as escolas formas padronizadas de procedimento. Infelizmente, os primeiros 15 anos desse século ficarão marcados pela crescente interferência do Estado sobre as escolas. A tutela do governo atinge não somente a rede oficial, como também os estabelecimentos privados de ensino.

A proposta encaminhada pelo governo alega os mesmos objetivos presentes na LDB e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Mas agora a diversidade dos projetos pedagógicos seria assegurada por uma “parte diversificada” restrita a 40% da carga horária. Os demais 60% seriam dedicados necessariamente a conteúdos comuns e obrigatórios, quer na rede oficial ou privada, para escolas laicas ou religiosas, brasileiras ou estrangeiras.

No entanto, a leitura do documento revela que se mantém o inchaço do currículo e a tendência ao seu estreitamento e padronização. É desejável que concepções diversas coexistam. Algumas abordagens poderão ser mais bem desenvolvidas na parte diversificada, não devendo constar da base comum obrigatória. Assim, cada família poderá exercer o direito de escolher que valores e perspectivas deseja passar para seus filhos. Por isso é tão importante que coexistam escolas diferentes umas das outras.

É temerário que o sistema educacional e o currículo escolar sejam mobilizados em função da hegemonia de uma determinada visão, qualquer que seja ela e por maiores que sejam os seus méritos. O dogma do “politicamente correto” estabelece um cenário cada vez mais padronizado. A crescente tutela do Estado reduz a autonomia de professores e desconsidera a capacidade de discernimento das famílias. Restringe a liberdade de quem ensina e os direitos da sociedade. A forma pela qual essas questões vêm sendo conduzidas ao longo dos últimos anos limita cada vez mais a liberdade de ensino.


É oportuno reafirmar que a sociedade não será mais bem atendida por um sistema educacional homogêneo. É equívoco pretender-se um consenso universal acerca de como seja equacionado um único processo escolar de qualidade. Jamais haverá uma única e mesma solução adequada para todos. É um engano supor que o bom caminho para a democratização do sistema educacional seja uniformizar o trabalho das escolas.

O melhor percurso a ser seguido é o já apontado tanto pela LDB quanto pela Constituição. Cabe frisar que não se trata da defesa apenas de prerrogativas de escolas e de educadores. Antes disso, a liberdade de ensino constitui direito da sociedade como um todo e de cada família isoladamente considerada. Por fim, favorece a liberdade de pensamento, condição para o aperfeiçoamento da democracia.

Pedro Flexa Ribeiro é educador





segunda-feira, 23 de novembro de 2015

"Conversando sobre as (im)possibilidades da Base Comum." Maria Luiza Sus...

Seminário Base Nacional Comum em debate

Escola sem Partido ou Escola com Partido único?

Ciclo de 'Conversas com quem gosta de educar'
Organização: Cooperativa dos Profissionais de Ensino Graham Bell
Coordenação: Profª Denise Vilardo
4º Encontro – 14/10/2015


“Escola sem partido” ou escola com “partido único”?
Demian Melo


Não é de hoje que a direita obscurantista vem fazendo uma tenaz pregação contra o que chamam de “doutrinação nas escolas”. Todavia, o assunto nunca tinha tido tanta repercussão como hoje. Dois Projetos de Lei (nº 867/2015 e nº 1.411/2015) de deputados do PSDB, pretendem impedir o que chamam de “assédio ideológico” de professores perante seus alunos. Trata-se de um enorme ataque à autonomia pedagógica dos professores, baseada numa concepção tacanha – mas não menos perigosa – do que é um processo pedagógico. Por trás dela, escondem-se os ideólogos da nova direita brasileira, desde o conhecido astrólogo histriônico Olavo de Carvalho até os doutrinadores mais empedernidos do liberalismo.

Na visão destes setores, seria possível existir um processo educacional em disciplinas como História, Geografia, Literatura, por exemplo, onde professores não explicitassem seus posicionamentos políticos, em favor de uma suposta “neutralidade”. Pensadores contemporâneos como Karl Marx, Antonio Gramsci e Paulo Freire, de acordo com os proponentes da campanha “Escola Sem Partido”, deveriam ser colocados numa espécie de index, pois a simples menção de seus nomes em sala de aula é encarada como uma espécie de “prova” da tal “doutrinação”. Mencionar os fatos políticos do momento, um recurso didático recomendável para o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos sobre o mundo, de acordo com os proponentes desse PL seria simplesmente transformado em crime.

Para os animadores de tal campanha é como se ideologia fosse uma coisa localizada apenas na esquerda, enquanto essa direita hidrófoba se apresenta como “o normal”. Nada, portanto, mais ideológico.


A forma de argumentação dessa campanha “Escola Sem Partido”, não obstante basear-se na total ignorância acerca do debate acadêmico na área da Educação, tem sido capaz de recrutar apoiadores, especialmente entre os mais jovens, mas também entre adultos, em geral ressentidos pelo seu próprio baixo nível de letramento. Os alvos simbólicos preferenciais dessa verdadeira cruzada são o filósofo marxista italiano Antonio Gramsci e o pedagogo cristão brasileiro Paulo Freire (naturalmente apresentado como “marxista”), eleitos como os inspiradores dessa suposta “doutrinação ideológica”. Como concepção metafísica estruturante, aparece um tal de “marxismo cultural”, que numa bisonha leitura de Gramsci, seria uma nova versão da “tomada pacífica do poder pelos comunistas”.[1]

Se é verdade que visões como a de que o processo pedagógico possa ocorrer sem a interferência de ideologias há muito foram banidas do debate acadêmico, por outro lado estas têm uma incrível força ideológica. E como ensina o velho barbudo, quando se apoderam das massas, as ideologias têm uma incrível força material.

O prof. Fernando Penna, da Universidade Federal Fluminense, que tem feito um profundo mapeamento da ação militante em torno ao “Escola Sem Partido”, entre elas sua ação nas redes sociais que visam a produzir a ideia de que os professores e todo o sistema educacional há trinta anos vem sendo alvo de uma espécie de “infiltração esquerdista”.[2] Reparem bem, “trinta anos atrás” não é sem razão, já que coincide com o que é considerado o ano final da ditadura militar (1985), contexto onde educadores críticos de várias orientações teóricas se uniram contra o modelo de educação tecnicista implementado pela ditadura e em defesa da educação pública. Como se vê, tal periodização dos proponentes do “Escola Sem Partido” revela bem a natureza reacionária por detrás desse projeto.

Outro ponto muito importante levantado por Penna refere-se ao propósito mobilizador, militante, dessa campanha, que revela o efeito pretendido de criar uma espécie de macartismo. Vejamos um exemplo. Uma campanha como a do “Escola Sem Partido” não poderia produzir outra reação senão a de estimular que no âmbito acadêmico se organizasse uma discussão qualificada sobre a natureza desse projeto, de que é exemplo o trabalho desenvolvido pela seção fluminense da Associação Nacional de História, no seu Grupo de Trabalho Ensino de História e Educação. Um evento organizado pelo GT em 18 de março deste ano para discutir tal temática[3] produziu a seguinte reação na página do “Escola Sem Partido” no Facebook: “Professores de história da ANPUH reivindicam autonomia para vampirizar os alunos”. Em suma, tal como nos filmes de ficção científica e de terror do auge da Guerra Fria, onde se costumavam associar os “extraterrestres malvadões” e monstros do imaginário popular aos comunistas,[4] a direita hidrófoba recorre ao personagem do “vampiro” para caracterizar um princípio básico da atividade docente: a autonomia docente.

Fernando Penna assinala o tipo de campanha feita por um ativista de nome Miguel Nagib que sugere aos estudantes sob sua influência que afixem cartazes com mensagens ofensivas, como um em que aparece uma montagem em que Gramsci aparece deitado num caixão, com dentes de vampiro, tendo em seu ventre uma estaca onde há o dizer “Escola Sem Partido”. Em cima da imagem vem a seguinte mensagem: “Conde Gramsci, o vampiro que vampiriza a educação brasileira, com a ajuda de Paulo Nosferatu Freire, pode estar com seus dias contados.” Assim, em sua postagem na mesma rede social contra a mencionada atividade do GT da ANPUH-RJ, escreveu: “A afixação desse cartaz nas salas de aula – como prevê o PL Escola Sem Partido – terá o efeito de uma estaca de madeira cravada no coração da estratégia gramsciana que vampiriza os estudantes brasileiros há mais de 30 anos.”[5]

O ponto que nos parece importante explorar liga-se ao fato desta ser mais uma entre tantas outras campanhas ideológicas da nova direita, e que destina-se a produzir resultados muito mais profundos do que uma mera aprovação de uma legislação que teria muitas dificuldades para ser implementada, salvo se fosse acompanhada por uma espécie de histeria coletiva onde estudantes denunciariam os professores “doutrinadores”, que nos termos desta legislação podem cumprir pena de até dois anos no cárcere.

E pensar que no ano 399 a.C. Sócrates seria executado sob alegação de que estava “corrompendo a juventude” com “idéias subversivas”. Este é certamente um espectro que paira quando projetos dessa natureza são discutidos no Legislativo, e ganham força também a partir de outras campanhas que discutiremos a seguir.


A cruzada contra a “ideologia de gênero”

O aspecto mobilizador dessa nova direita vem se expressando não só nas manifestações rua que assistimos em 2015. Há uma forma de ativismo políticoque envolve uma gama de setores sociais que vão da classe média ressentida a estratos populares sensíveis ao discurso de fundamentalistas religiosos, outrora aliados do Palácio do Planalto.[6] A obsessão destes últimos pela agenda moral e de costumes tem marcado as campanhas eleitorais brasileiras desde 2010 e constitui-se num fenômeno que veio para ficar, como bem pontuou Vladimir Safatle em 2012.[7]

Exemplo desta mobilização conservadora ligada ao “Escola Sem Partido” é a estridente campanha contra a “ideologia de gênero”, que é o termo cunhado por estes setores para desqualificar, por exemplo, o debate sobre a condição da mulher em nossa sociedade. Mimetizando a nova direita nascida nos EUA nos anos 1970, combinam uma cruzada contra o ambientalismo, os direitos das chamadas minorias (gays, negros – que, diga-se de passagem, no Brasil não constituem nenhuma “minoria”! – e povos indígenas), à defesa do fundamentalismo de mercado, que é animado no Brasil pelos think tanks* ultraliberais. O vínculo ideológico é estabelecido pela chamada “teologia da prosperidade”, que se encaixa perfeitamente com o darwinismo social típico dos extremistas do laissez-faire. Assim, o tal combate ao “marxismo cultural”, soma-se ao combate à “ideologia de gênero” e o movimento “Mais Mises, Menos Marx” (do qual falaremos a seguir), que estão entre suas campanhas ideológicas de maior repercussão.

Em meados deste ano, a cruzada contra a “ideologia de gênero” atingiu o texto de planos de educação de quase uma dezena de estados e outros tantos municípios brasileiros.[8] Em alguns casos, como na Câmara Municipal de Campinas em fins de junho, a aprovação da “retirada da ideologia de gênero” ocorreu com a mobilização do obscurantismo extremista, inclusive da fina-flor do fascismo brasileiro, os integralistas. Em vários casos foi comum que tais sessões legislativas fossem finalizadas com orações ou cultos, como na Câmara Municipal de Volta Redonda em princípios de setembro deste ano. Em todos estes episódios, os principais órgãos da mídia reproduziram a própria noção de “ideologia de gênero”, em alguns casos até com a consulta a pretensos “especialistas”, dando legitimidade discursiva a essa noção da nova direita como se fosse um termo técnico. [9]

Os think tanks liberais contra a “infiltração marxista”


Como se pode perceber, o propósito de campanhas como estas é o de interditar a possibilidade da crítica, da construção do conhecimento crítico, tão caro ao campo científico e o processo pedagógico. Isso é bastante evidente em outra campanha protagonizada por esta nova direita, a já mencionada “Mais Mises, Menos Marx”. Como já esclareceu outro pesquisador, tal campanha, que tem aparecido principalmente nas faculdades de Economia e Direito, possui natureza profundamente anticientífica e antidemocrática.[10]

Patrocinada por uma rede de think tanks neoliberais associados à Atlas Network no Brasil,[11] principalmente o Instituto Ludwig von Mises Brasil, de São Paulo e o Instituto Liberal, do Rio de Janeiro, tal tipo de campanha visa fazer penetrar de qualquer modo no ambiente acadêmico as ideias da chamada Escola Austríaca da Economia, especialmente os trabalhos do próprio Mises, além de Friedrich von Hayek, Murray Rothbard e um sociopata como Walter Block, autores cuja relevância científica é irrisória. Irrisória, mas não menos deletéria, principalmente do ponto de vista das liberdades democráticas. Aliás, claras posições contra a democracia, tida como uma “ante-sala do socialismo”, são encontradas sem dificuldades nos sites destes think tanks.[12]

Embora isso possa ser desconhecido de uma parte dos jovens que levantam cartazes com os dizeres “Mais Mises, Menos Marx”, personagens como von Mises e von Hayek estiveram ligados no apoio a regimes ditatoriais sanguinários, desde experiências fascistas no entre-guerras, até as ditaduras militares do Cone Sul nos anos 1970 e 1980. Mises, por exemplo, no livro Liberalismo, publicado em 1927, afirmou o que para ele seria o aspecto “positivo” do fascismo italiano: proteger a propriedade privada e impedir a vitória dos bolcheviques.[13] Não por acaso, alguns anos depois, Mises tornou-se conselheiro econômico do governo clerical-fascista de Engelbert Dollfuss na Áustria, cujo regime era apoiado por Benito Mussolini. Não seria muito surpreendente que um discípulo tão dedicado de Mises como Hayek não teria pudores para defender a ditadura sanguinária de Augusto Pinochet no Chile, como, aliás, é bastante conhecido.

As tramas desta seita ficam bastante evidenciadas nos trabalhos do mencionado Walter Block. Num livro insólito escrito ainda no final dos anos 1970, Defendendo o indefensável, Block defendeu as virtudes do laissez-faire** mesmo em atividades como a cafetinagem, a chantagem, a difamação, a calúnia, o tráfico de drogas, a prostituição, a exploração de trabalho infantil etc., que de acordo com o autor também “beneficiam a sociedade”.

[14] Particularmente no prefácio que escreveu para uma re-edição do início dos anos 1990, Block se definiu como um “libertário” no que tange a economia, mas um conservador no ponto de vista cultural. Assim, escreveu: “abomino o homossexualismo, a bestialidade e o sadomasoquismo, bem como a cafetinagem, a prostituição, o consumo de entorpecentes e outros comportamentos degenerados”. E completa: “Não estamos, aqui, falando apenas de jogadores de futebol que pulam uns sobre os outros, ao fazerem um gol, ou de homens europeus beijando-se nas bochechas. Não estamos discutindo esfregadelas ou massagens. Estamos contemplando, isso sim, as principais abominações que, em outra era, foram proscritas porque ‘afugentavam os cavalos’.” [15]

Na ideologia deste ultraliberalismo, à escola austríaca soma-se outra vertente formadora do pensamento neoliberal, o monetarismo anglo-saxão do qual o falecido Milton Friedman da Universidade de Chicago é o grande representante. Bom, o apoio deste à ditadura de Pinochet é também bastante conhecido.[16]Outro representante desta vertente, o laureado prêmio Nobel da Economia em 1992, Gary Becker, por exemplo, é tomado como inspirador para posições inacreditáveis defendidas por Rodrigo Constantino (atual presidente do Instituto Liberal), como a defesa de um “livre mercado para órgãos humanos”,[17] posição que deixa o próprio Block parecer um “moderado”. Uma agitação política baseada na defesa de tais posições não poderia produzir outra coisa, senão muita histeria.


Uma das últimas patetices protagonizadas por esta turma e que exemplifica o caráter de sua mobilização ocorreu durante o Seminário Internacional Estado, democracia e participação popular na América Latina, que foi descrito num artigo publicado no site do Instituto Liberal, e que recebeu o título “Sessão de tortura: o evento socialista na UERJ”.

[18] O autor, Jefferson Viana, estudante de História daquela universidade, coordenador da rede Estudantes Pela Liberdade, presidente do Partido Social Cristão (PSC)[19] na cidade de Niterói (RJ) e membro-fundador do Movimento Universidade Livre, não teve pudores em utilizar o termo “tortura” para se referir a sua experiência de assistir aquele evento acadêmico. Em vez de ir a fundo numa crítica liberal ao teor das principais intervenções no evento, o que seria legítimo, preferiu recorrer a argumentos morais com um viés claramente conspiracionista.

Em certa altura, afirma: “Como todos nós sabemos (sic), desde os anos 1950, a esquerda tomou de assalto (sic) o pensamento educacional brasileiro”, atribuindo a isto o fraco desempenho do Brasil nos rankings internacionais de avaliação. Como se vê, há aqui um recurso retórico muito comum ao discurso da nova direita que é a suposição de que a alegada “infiltração esquerdista” no aparelho educacional do Brasil é algo que “todos nós sabemos”, uma afirmação que naturalmente não é nunca acompanhada por nenhum tipo de comprovação empírica. Num tom indignado, o jovem se ressente do fato de que o pensamento liberal brasileiro ter sofrido um “ataque celerado”, enquanto “com quase toda a platéia aplaudindo e tendo orgasmos nesse momento!”[20] Realmente, para quem pauta sua atuação política na repressão sexual ao Outro, o gozo alheio deve ser comparável a uma verdadeira “tortura”.

Fé cega, faca amolada


É possível verificar uma congruência ideológica entre todas estas iniciativas da nova direita brasileira, desde a campanha “Escola Sem Partido” até o “Mais Mises, Menos Marx”, passando pelo combate à “ideologia de gênero”. Seria possível apensar também outras campanhas, como a contra a adoção de cotas de qualquer natureza para o ingresso nas universidades públicas, a contradiscussão sobre o aquecimento global e qualquer tipo de pauta ambiental, além da reação organizada contra os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, assuntos relevantes que não teríamos espaço para debater aqui com a profundidade que merecem.[21]
Recorrendo a Gramsci, é possível afirmar estarmos diante de uma espécie de guerra de posição, cujas manobras combinam fundamentalismo religioso e fundamentalismo de mercado, e onde o terreno não é outro senão o da ignorância. A capacidade que têm tido de pautar o debate público está além da congruência de suas idéias. Enganam-se os quem acreditam que isso é inofensivo.
No último dia 6 de outubro, uma audiência pública foi realizada na Câmara dos Deputados para discutir o PL “Escola Sem Partido”. Por iniciativa do deputado Rogério Marinho (PSDB/RN), autor do PL 1411/2015, a composição da mesa traria, entre outros, estrelas da nova direita brasileira, como o pastor Silas Malafaia, Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino, personagens que acabaram não comparecendo.
[22] Estava lá o já mencionado Miguel Nagib, que numa intervenção que só denota a profundidade de seu desequilíbrio psíquico, misturava uma pretensa “inconstitucionalidade” no que chamou de “assédio ideológico” e uma definição algo inusitada sobre o que seria a liberdade para ensinar, alegando que “nenhum professor possui liberdade de expressão no exercício da atividade de docente”, pois nesse caso estariam “violando a liberdade de consciência dos seus alunos”. Em suma, a partir de argumentos dessa natureza, que trazem à lembrança o julgamento de Sócrates, que tal PL tem tramitado no legislativo federal.
Entendendo a necessidade de contrapor-se a essa verdadeira insanidade, professores têm se organizado em todo país para denunciar e impedir a aprovação não só do PL que tramita na Câmara Federal, quanto de muitos outros que simultaneamente têm sido apresentados em outras esferas do legislativo. Contra essa ação organizada da nova direita é preciso intensificar nossa batalha cultural, tomando contato com as iniciativas que já estão sendo desenvolvidas, como os trabalhos do GT da ANPUH-RJ, realizando atividades, seminários, mobilizações etc. Pois como bem assinala Walter Benjamin, “nem os mortos estão seguros se o inimigo vencer. E esse inimigo nunca deixou de vencer.”[23]

Notas
[1] A mesma idéia apareceu no discurso da direita golpista de meio século atrás, quando Gramsci era um ilustre desconhecido no Brasil.
[2] Cf. PENNA, Fernando. O ódio aos professores. Blog do movimento Liberdade para ensinar. 18/09/2015. Disponível em: http://bit.ly/1hCcLxh (acesso 10/10/2015)
[3] “Ameaças à autonomia docente: ‘Escola Sem Partido’ e outras PLs.” Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, 18/08/2015. Disponível em: http://bit.ly/1PqJD9Z (acesso 10/10/2015)
[4] Como por exemplo, no filme Invasion of the Body Snatchers, de 1956, dirigido por Don Siegel e baseado na obra homônima de Jack Finney, onde no fim da película o personagem principal, o médico Miles Bennell (Kevin McCarthy) chega a conclusão de que a pretensão dos extraterrestres que paulatinamente estavam tomando os corpos dos seres humanos era o de criar uma sociedade “onde todos fossem iguais”, numa clara referência ao ideal comunista. O filme é emblemático da paranoia do auge do machartismo. Uma curiosidade é que no Brasil foi lançado com o nome de Vampiros de Almas, que o associa ao gênero do terror, o que mostra o quanto essa nova direita é, parafraseando Cazuza, um “museu de grandes novidades”. Esse filme teve posteriormente três remakes –Invasores de Corpos (1978), Invasores de Corpos (1993) e Invasores (2007), onde as referências anticomunistas são muito mais sutis.
[5] Todas estas citações estão no supracitado artigo de Fernando Penna.
[6] É ocioso lembra que Marcos Feliciano fez campanha para Dilma em 2010, sem esquecer que a Igreja Universal do Reino de Deus, salvo uma manobra ou outra, continua aliada do governo petista.
[7] SAFATLE, Vladimir. O filho bastardo. Folha de S. Paulo, 4 de setembro de 2012. Disponível em http://bit.ly/1LLnbsH Ver também http://bit.ly/1MorBji (acesso 11/10/2015)
[8] “Por pressão, planos de educação de 8 Estados excluem ‘ideologia de gênero’.” Folha de S. Paulo, 25/06/2015. Disponível em http://bit.ly/1eIV6nb (acesso 11/10/2015)
[9] “Lei proíbe discussão de ideologia de gênero em escolas de Volta Redonda.”G1, 02/09/2015. Disponível em http://glo.bo/1R8StaI (acesso 11/10/2015) “Sob tensão, Câmara de Campinas rejeita a chamada ideologia de gênero”. G1, 29/06/2015. Disponível em http://glo.bo/1LImn1l (acesso 11/10/2015)
[10] Cf. AUGUSTO, André Guimarães. O que está em jogo no “Mais Mises, Menos Marx”. Revista Marx e o Marxismo, v.2, n.3, ago/dez 2014. Disponível em http://bit.ly/1VQdFnv (acesso 11/10/2015)
[11] Cf. HOEVELER, Rejane Carolina. Tropa de elite do neoliberalismo (2): a direita transnacional, ontem e hoje. Blog Capitalismo em desencanto, 03/06/2015 Disponível em http://bit.ly/1eToUO2 (acesso 11/10/2015)
[12] Ver, por exemplo, o artigo do decano da Escola Austríaca: ROTHBARD, Murray N. “O principal argumento em prol da democracia é contraditório e não se sustenta.” Instituto Ludwig von Mises Brasil, 30/09/2014. Disponível em http://bit.ly/1jlQ3eu (acesso 11/10/2015). Uma curiosidade apareceu no site do Instituto Liberal, onde foi publicado em 07/10/2014, e depois retirado do ar, o artigo “Democracia: O primeiro passo para o Socialismo”, de autoria de Natália Vilarouca. Na página do Instituto há a seguinte mensagem: “Artigo não aprovado e publicado erroneamente. Pedimos desculpas aos leitores pelo lamentável acidente. Reiteramos nosso total compromisso com o Estado Democrático de Direito como única forma de alcançar uma sociedade liberal. Informamos que o IL demitiu o administrador do site que publicou o referido texto.” Disponível em http://bit.ly/ZR22ad (acesso 11/10/2015)
[13] “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização européia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.” VON MISES, Ludwig.Liberalismo: segundo a tradição clássica. Rio de Janeiro: José Olympio/ Instituto Liberal, 1987 [1927], p.53.
[14] BLOCK, Walter. Defendendo o indefensável. 2ª edição. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil; Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2010, p.15. Disponível em http://bit.ly/1VQdOY6
[15] Idem, p.23.
[16] Cf. KLEIN, Naomi. A doutrina de choque. A ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[17] CONSTANTINO, Rodrigo. Livre mercado de órgãos humanos. 28/06/2006. Disponível em seu blog http://bit.ly/1MorRPo (acesso 11/10/2015)
[18] VIANA, Jefferson. “Sessão de tortura: o evento socialista na UERJ.” Instituto Liberal, 22/09/2015. Disponível em http://bit.ly/1KLOCAa (acesso 11/10/2015)
[19] Partido que abriga fundamentalistas religiosos, como Marcos Feliciano, e o pastor Everaldo, que encampou sem medo a agenda neoliberal no último pleito nacional.
[20] Idem.
[21] Sobre a campanha contra os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, indico o arguto artigo PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova direita? Guerras de memória em tempos de Comissão da Verdade (2012-2014). Varia História, Belo Horizonte, vol.31, n.57, pp.863-902, set/dez 2015. Disponível em http://bit.ly/1hCeIcV (acesso 11/10/2015) A naturalização de certos discursos revisionistas oferecem uma base importante à disputa de hegemonia desta direita. Cf. GIL, Alexandre Vasilenskas. O ovo da serpente nacional. Sinal de Menos, ano 6, n.10, v.11, 2014. Disponível em http://bit.ly/1LImYjG (acesso 11/10/2015)
[22] A audiência pode ser assistida aqui http://bit.ly/1LIn2Qm
[23] BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.12.

http://blogjunho.com.br/escola-sem-partido-ou-escola-com-partido-unico/

*Think tanks são organizações ou instituições que atuam no campo dos grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos estratégicos, com vistas a influenciar transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas sobretudo em assuntos sobre os quais pessoas comuns não encontram facilmente.

**Laissez-faire é hoje expressão-símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade.

O Grande Irmão

Ciclo de 'Conversas com quem gosta de educar'
Organização: Cooperativa dos Profissionais de Ensino Graham Bell
Coordenação: Profª Denise Vilardo
4º Encontro – 14/10/2015


O grande irmão e a escola pública
Por Walter Takemoto


Aos poucos o Grande Irmão projeta seus olhos e garras sobre as escolas públicas, seus professores, alunos e pais.
Não mais bastam ter o controle sobre as cartilhas, livros, avaliações, sucatear as escolas públicas, impor ao magistério salário indigno e jornada extenuante.

É preciso controlar o que se ensina e como se ensina. É preciso garantir que todos lá estejam para serem controlados e punidos caso não cumpram com o que deseja o Grande Irmão.

Não, não se trata de enredo de filme ou texto ficcional. É o que tramam os parlamentares no Congresso.


O deputado do PSDB do Rio Grande do Norte, Rogério Marinho, apresentou o projeto lei 1411/2015 que prevê a prisão de 4 a 16 meses, além de multa, para o professor que praticar “assédio ideológico” em sala de aula. E a punição ao professor poderá ser ampliada em 50% se em decorrência do assédio o aluno for reprovado, receber nota baixa ou apresentar prejuízo em sua vida acadêmica. Alguns poderão considerar que esse projeto é um caso isolado, uma iniciativa de um parlamentar irresponsável, como tantos outros que se elegeram por força de igrejas, clientelismo ou recursos financeiros abundantes.
Só que não.

Ataques


Iniciativas parecidas se multiplicam por câmaras municipais e assembleias legislativas, proibindo a discussão de gênero ou temas contrários à tradição da família cristã.

E mesmo o senhor Cristovam Buarque, que já foi governador e ministro da Educação, que alguns educadores consideram um “político sério e comprometido com a escola pública”, é o autor do projeto lei 189/2012 que recebeu parecer favorável em agosto último da Comissão de Educação, tendo como relator o senador Fernando Bezerra e presidente em exercício a senadora Lídice da Mata.
Nesse projeto, Cristovam Buarque torna obrigatória a participação de pais em reuniões convocadas pelas escolas, no mínimo uma a cada dois meses, ou encontros agendados por professores.

E pelo projeto do Cristovam o pai ou responsável que não comparecer à reunião receberá uma multa que varia de três a dez por cento do salário-mínimo da região, além de outras penalidades como:
• inscrever-se em concurso para cargo ou função pública;
• receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de emprego ou função pública e de empresas paraestatais;
• participar de concorrências públicas;
• obter empréstimos em bancos ou caixas econômicas federais ou estaduais;
• obter passaporte e carteira de identidade.

Integrava, ainda, a proposta original do Cristovam a proibição do aluno realizar matrícula no ano seguinte em caso da ausência dos pais nas reuniões. Esse absurdo, que expulsava da escola o aluno, felizmente foi retirado do projeto pelo relator.
Durante a ditadura civil-militar no Brasil, professores em universidades davam aulas com as portas das salas abertas, para que os informantes dos órgãos de repressão não desconfiassem que estavam tramando contra os interesses dos ditadores de plantão. Vários foram os professores presos, torturados ou aposentados, simplesmente por terem sido denunciados, algumas vezes anonimamente, de serem comunistas ou desenvolverem atividades subversivas.


Censura


Hoje se busca legalizar a censura, institucionalizar o padrão de formação que devem receber os estudantes. Se na ditadura o controle pelos órgãos de repressão era dirigido para os professores das universidades e seus acadêmicos, hoje no que consideramos avanço democrático da sociedade brasileira se volta para a educação básica, seus professores, crianças e adolescentes. Dessa forma, esperam que os poucos que ingressarem nas universidades já estejam formados nos padrões que consideram aceitáveis para a sociedade que almejam, formada por indivíduos acríticos, incapazes de questionar a própria instituição acadêmica, subservientes à ordem estabelecida.
Uma escola em que se impõe ao professor a mordaça, que se abre o “mercado” da educação pública para multinacionais de pacotes educacionais, e se obriga os pais e responsáveis a participarem sob a ameaça de multas é a sociedade ideal para os reacionários e fundamentalistas.
Um professor ameaçado de prisão irá discutir o quê com um pai ou uma mãe que lá está por medo de ter que pagar uma multa?
Estamos sob o risco de adentrarmos escolas em que o silêncio de seus corredores e salas de aula denunciará que, enfim, chegamos ao tempo em que além da domesticação física também conseguiram nos impor a domesticação completa das mentes de todos que lá estão.
Desenvolvimento integral

E essa investida reacionária e fundamentalista sob a escola pública brasileira ocorre quando todas as pesquisas educacionais apontam para a importância da escola pública ter como principal tarefa política e pedagógica se constituir como uma organização social capaz de garantir à criança e ao adolescente a possibilidade do desenvolvimento integral, da ampliação do universo cultural, de múltiplas aprendizagens, da construção do conhecimento imprescindível para compreender e transitar em um mundo em profundo processo de transformação.
E são os professores que podem desempenhar esse complexo e desafiador trabalho de oferecer aos estudantes das escolas públicas, a grande maioria pobres e excluídos, a possibilidade de não serem produtos consumíveis, como propagandeava um anúncio da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro.

Mas não são esses professores que querem grande parte dos parlamentares do nosso País.

Não se trata apenas de uma ameaça à profissão docente. O que está sob ameaça por detrás dessas iniciativas parlamentares é a formação das nossas crianças e adolescentes, é a possibilidade de construirmos uma sociedade verdadeiramente democrática. Ao se amordaçar os professores, estamos amordaçando o nosso futuro.

É preciso que as instituições acadêmicas, sindicatos, partidos ditos democráticos, movimentos populares percebam que o golpe que está em curso em nosso País contra um governo eleito democraticamente vai muito além da destituição da presidenta Dilma. Trama-se um golpe contra o nosso futuro.


♦ Walter Takemoto é educador

 e colunista do site de Caros Amigos

http://www.carosamigos.com.br/index.php/colunistas/187-walter-takemoto/5475-o-grande-irmao-e-a-escola-publica

Pátria Educadora

Ciclo de 'Conversas com quem gosta de educar'
Organização: Cooperativa dos Profissionais de Ensino Graham Bell
Coordenação: Profª Denise Vilardo
4º Encontro – 14/10/2015


Grandes grupos econômicos controlam escolas para fomentar sua ideologia
Uma das escolas que mais se destacam no Enem em todo o país, o Pensi, é de propriedade de um dos homens mais ricos do mundo: Jorge Paulo Lemann. Ele já era dono também o Grupo Eleva, outro conceituado modelo de ensino pelos resultados alcançados. A dedicação do bilionário não vem ao acaso ou se dá por inspiração. A sensibilidade é baseada na Califórnia, onde o Centro de Estudos Lemann Center funciona. Não por acaso, um dos maiores estudiosos do ensino do país, o novo reitor da Universidade Federal do Rio, Roberto Leher, detectou que grandes grupos econômicos tem atuado cada vez mais profundamente na elaboração do ensino das nossas crianças. Nada é por acaso na Pátria Educadora que não sai do papel. Mas ele não é o único preocupado com a Educação brasileira. Na reportagem que segue, o internauta descobrirá como o ensino virou filão de negócio.

A fortuna do dono de colégio Pensi, baseado no Rio de Janeiro, está avaliado em US$ 25 bilhões - são R$ 100 bilhões - mais de três vezes o orçamento do governo brasileiro para 2016. E não é apenas no ensino que o bilionário tem lançado atenção: há quem veja suas digitais também nos movimentos que pedem o impeachment da presidenta Dilma. Mas o dono da Ambev e da Burguer King nega. Veementemente. 

Nesta reportagem de Luiz Felipe Albuquerque, publicada originalmente no site Brasil de Fato, o reitor da UFRJ fala sobre a preocupação que a entrada em cena de grandes grupos econômicos devem trazer para aqueles que se preocupam com a Educação Brasileira.

Por Luiz Felipe Albuquerque
Do Brasil de Fato


Um grande negócio. É assim que o novo reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, enxerga o novo momento da educação brasileira.


Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ traça um panorama do atual estágio da Educação no Brasil, e as conclusões não são nada animadoras.

Para Leher, os recentes processos de fusões entre grandes grupos educacionais, como Kroton e Anhanguera, e a criação de movimentos como o Todos pela Educação representam a síntese deste processo.

No primeiro caso, ocorre uma inversão de valores, em que o primordial não é mais a Educação em si, mas a busca de lucros exorbitantes por meio de fundos de investimentos. No segundo, a defesa de um projeto de Educação Básica em que a classe dominante define forma e conteúdo do processo formativo de crianças e jovens brasileiros.

O movimento Todos Pela Educação é uma articulação entre grandes grupos econômicos como Bancos (Itaú), empreiteiras, setores do agronegócio e da mineração (Vale) e os meios de comunicação que procuram ditar os rumos da Educação no Brasil.

Para o professor, o movimento se organiza numa espécie de Partido da classe dominante, ao pensarem um projeto de educação para o país, organizarem frações de classe em torno desta proposta e criar estratégias de difusão de seu projeto para a sociedade.

1 - Muitos setores denunciam a atual mercantilização da Educação Brasileira. O que está acontecendo neste setor?

De fato há mudanças no que diz respeito à mercantilização da Educação, diferente do que acontecia até 2006 no Brasil. Os novos organizadores dessa mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os chamados fundos de investimento.

Como o próprio nome diz, os fundos de investimentos são fundos constituídos por vários investidores, grande parte estrangeiros, como fundos de pensão, trabalhadores da GM, Bancos etc, que apostam num determinado fundo, e esse fundo vai fazer negócios em diversos países.

Em geral, os fundos fazem fusões, como é o caso da Sadia e Perdigão no Brasil. Mas é o mesmo grupo que também adquiriu faculdades e organizações educacionais com o objetivo de constituir monopólios.

Esse processo levou a Kroton e a Anhanguera - fundo Advent e Pátria - a constituírem, no Brasil, a maior empresa educacional do mundo, um conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, mais do que todas as Universidades Federais juntas.

2 - O que muda com essa nova forma de mercantilização da Educação?

O negócio do investidor não é propriamente a Educação, é o fundo. Ele investiu no fundo e quer resposta do fundo, que cria mecanismos para que os lucros dos setores nos quais eles estão fazendo as aquisições e fusões, sejam lucros exorbitantes. É isso que valoriza o fundo.

A racionalidade com que são organizadas as universidades sob controle dos fundos, é a racionalidade das finanças. São gestores de finanças, não são administradores educacionais. São operadores do mercado financeiro que estão controlando as organizações educacionais.

Toda parte educacional responde a uma lógica dos grupos econômicos, e por isso eles fazem articulações com editoras, com softwares, hardwares, computadores, tablets; é um conglomerado que vai redefinindo a formação de milhões de jovens.

No caso do Brasil, cinco fundos têm atualmente cerca de 40% das matrículas da Educação superior brasileira, e três fundos têm quase 60% da Educação a distância no Brasil.

3 - Quais os interesses dessas grandes corporações para além do interesse econômico?


A principal iniciativa dos setores dominantes na Educação Básica brasileira é uma coalizão de grupos econômicos chamada Todos pela Educação, organizada pelo setor financeiro, agronegócio, mineral, meios de comunicação, que defendem um projeto de educação de classe, obviamente interpretando os anseios dos setores dominantes para a sociedade brasileira.

Em outras palavras, os setores dominantes se organizaram para definir como as crianças e jovens brasileiros serão formados. E fazem isso como uma política de classe, atuam como classe que tem objetivos claros, um projeto, concepções claras de formação, de modo a converter as crianças e os jovens em capital humano.
Em última instância, é com isso que eles estão preocupados: em como fazer com que a juventude seja educada na perspectiva de serem mais um fator da produção. Essa é a racionalidade geral, e isso tem várias mediações pedagógicas.
A aparência é de que estão preocupados com a alfabetização, com a escolarização, com o aprendizado etc. E de fato estão, mas dentro dessa matriz de classe, no sentido de educar a juventude para o que seria esse novo espírito do capitalismo, de modo que não vislumbrem outra maneira de vida que não aquela em que serão mercadorias, apenas força de trabalho.

4 - De que maneira eles interferem nas políticas educacionais do Estado?


Como sociedade civil, os setores dominantes buscam interferir nas políticas de Estado. O Todos pela Educação conseguiu difundir a sua proposta educativa para o Estado, inicialmente por meio do Plano Nacional de Educação (PNE) - que aliás foi homenageado com o nome Plano de Metas e Compromisso Todos pela Educação, em referência ao movimento. Com isso definiram em grandes linhas o que seria o PNE que está vigente.

Articulam por meio de leis, mas também da adesão de secretários municipais e estaduais às suas metas, aos seus objetivos. Articulam com o Estado, que cria programas, como o programa de ações articuladas, em que a prefeitura, quando apresenta um projeto para o desenvolvimento da educação municipal, tem que implicitamente aderir às metas do movimento Todos pela Educação.

Temos uma complexidade muito sofisticada que interage com as frações burguesas dominantes, as políticas de Estado e os meios operativos do Estado para viabilizar esta agenda educacional.

5 - Mas como se dá isso na prática?

Quando um município faz um programa de educação para a sua região, ele já deve estar organizado com base no princípio de que existe uma idade certa para a escolarização, que os conteúdos não devem se referenciar nos conhecimentos, mas sim no que eles chamam de competências, que o professor não deve escapar deste currículo mínimo que eles estão desenvolvendo por meio de uma coerção da avaliação.

A escola que não consegue bons índices no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é penalizada, desmoralizada, sai nos jornais, e isso cria um constrangimento que chega ao cotidiano da sala de aula, e as prefeituras, pressionadas por esses índices, acabam sucumbindo às fórmulas que o capital oferece. A mais importante delas é comprar sistemas de ensino, apostilas, que são fornecidos pelas próprias corporações.

O professor está em sala de aula, recebe apostilas, exames padronizadas que foram feitos pela corporação, e na prática, ao invés do professor desenvolver um papel intelectual, criador, ele tem que ser um aplicador das cartilhas, um entregador de conhecimento, e isso, obviamente, esvazia o papel do professor e tem consequências diretas com o processo de formação.

A formação esperada do educador não é uma formação como intelectual, mas passa a ser como alguém que sabe desenvolver técnicas para aplicar aqueles pacotes que as corporações preparam.


6 - E há resistências a isso?

Existem algumas situações em que as resistências, as tensões são muito grandes, o que traz infelicidade aos professores e aos estudantes, mas tudo isso é muito difuso. As resistências acontecem na forma de lutas sindicais, quando fazem greve criticando a chamada "meritocracia" ou os sistemas de avaliação, por exemplo.

Aparecem aqui e ali, mas é forçoso reconhecer que existe um complexo controle sobre as escolas, que restringem muito a margem de manobra dos trabalhadores da Educação para desenvolverem um projeto pedagógico autônomo e crítico.
Essa situação é agravada quando a própria direção da escola, que deveria pensar como a escola se auto governa, vem sendo ressignificada como um papel de gestão. O diretor e os coordenadores são pensados como gestores na lógica de uma empresa, que deve cumprir metas, fiscalizar o cumprimento delas e tentar atingir essas metas de todas as formas.
Temos uma mudança de referências quando a própria equipe de coordenação da escola se torna uma equipe de gestores. No documento Pátria Educadora há uma possibilidade de punição dos professores que não cumprirem as metas.

7 - Por sinal, o Pátria Educadora é um dos programas carro chefe do Governo Federal. Como você avalia este documento?

Não casualmente, esse documento foi elaborado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualmente dirigido pelo ministro Mangabeira Unger. Ele parte de um diagnóstico de que o modelo de desenvolvimento baseado em commodities* se esgotou com a crise mundial, com seus preços despencando depois daquele período de ouro entre 2004 e 2009.

Com a desvalorização dessas commodities, Mangabeira chama atenção para o fato de que o Brasil deveria buscar outra forma de inserção na economia mundial que não fosse apenas de commodities.

E a minha hipótese é que eles estão sinalizando nesse documento que o Brasil deveria ser uma espécie de plataforma de exportação, assim como já existe na fronteira norte do México, em alguns países asiáticos - o modelo chinês foi isso nos anos 90, de ser um local em que a força de trabalho é muito explorada, recebe um treinamento específico que permite uma exploração muito grande - e esses países entram em circuitos de produção industrial de maneira subalterna, explorando o que seriam sua vantagens comparativas: baixo custo de energia, da força de trabalho, baixa regulamentação ambiental, e isso daria vantagens competitivas novamente ao país.

O drama é que a concepção do Pátria Educadora tem como correspondência a ideia de que a formação da maior parte da força de trabalho no Brasil deve ser por um trabalho mais simples, e isso tem consequências pedagógicas muito grandes.

Se é para formar para o trabalho simples, a maior parte das escolas pode ser formada de instituições estruturadas para a formação de trabalhos de menor complexidade, que seriam desdobrados em processos de formação técnica de cursos de curta duração, cujo exemplo mais conhecido é o Pronatec, em que grande parte dos cursos são aligeirados para a formação de uma força de trabalho simples - tanto aquela que já estará inserida no mercado, quanto aquela que constitui o que podemos denominar de um exército industrial de reserva.

O documento Pátria Educadora altera a racionalidade da organização da escola, quando vislumbra escolas que vão formar forças de trabalho de menor complexidade. É importante destacar que no documento encontramos uma formulação muito perigosa de enormes consequências para o futuro da Educação brasileira, que é a referência que o Mangabeira faz da adoção de um modelo tipo SUS (Sistema Único de Saúde).

7 - O que é isso?

O modelo SUS teve como objetivo assegurar o direito ao atendimento à saúde de maneira universal, e isso poderia ser feito tanto pelo órgãos públicos quanto pelas entidades privadas.

Quando Mangabeira reivindica o modelo SUS, claramente está sinalizando que a formação da classe trabalhadora deveria ser feita em nome de uma suposta democratização, realizada tanto pelas instituições públicas quanto pelas organizações privadas.

Isso é congruente com o PNE, aprovado em 2014, ao estabelecer que a verba pública é aquela utilizada nas instituições públicas, mas também em todas as parcerias público-privadas, como o FIES, PROUNI, Ciências Sem Fronteiras, PRONATEC, Pronacampo, Sistema S, tudo isso entra como recurso público.

A rigor, estamos diante de uma política que pode indiferenciar as instituições públicas e privadas em detrimento do público, já que as corporações também se acercam da Educação Básica.


8 - Em setembro aconteceu o 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera), em Brasília. Como o Enera se insere nesta conjuntura?

Tenho uma visão muito positiva em relação ao segundo Enera. No primeiro Enera tivemos a constituição de outra perspectiva pedagógica para a educação brasileira, que foi a Educação do Campo, uma conceituação do que seria uma Educação pública voltada para o campo, mas com um horizonte de formação humana que ultrapassa o campo.

Foi certamente uma proposta que promoveu sínteses brilhantes entre uma perspectiva crítica que vem do campo, marxista, da ideia da escola unitária, do trabalho, ao compreender que o trabalho deveria ser um elemento simbólico, imaginativo, capaz de nos constituir como seres humanos, e que portanto a escola é o lugar da cultura, da arte, da ciência, da tecnologia, e não uma instituição livresca. É uma instituição que tem interação com o mundo, com a vida, com os processos de trabalho, com a produção real da cultura em diversos espaços, como pensar no que significa a agricultura no Brasil.

Foi uma proposta pedagógica que promoveu sínteses incorporando o pensamento critico marxista, a tradição latino-americana de educação popular, particularmente com Paulo Freire, e criou bases para um pensamento pedagógico socialista.

O segundo Enera, a meu ver, está desafiado pela conjuntura a fazer um balanço do que foi essa mercantilização e de como o capital está tentando se apropriar da Educação Básica.

Ao fazer essa reflexão, certamente o Enera ajuda a criar bases para uma perspectiva de Educação pública unitária, capaz de se contrapor à Educação segundo a lógica de movimentos empresariais como o Todos pela Educação.

Pode haver incorporações de elementos novos na nossa reflexão sobre a pedagogia socialista, que respondam aos desafios da ofensiva do capital, mas sobretudo respondam aos anseios que estão pulsando em todo o país em torno da Educação pública.

9 - Como as últimas greves na Educação?

Podemos problematizar a fragmentação das lutas pela Educação, o fato de que muitas vezes são lutas econômicas e corporativas, que estão vinculadas às políticas municipais e estaduais, mas não tenho dúvidas de que essas lutas que estão pulsando no país, estão enfrentando aspectos dessa pedagogia do capital, criticando a meritocracia, a racionalidade das competências e dos sistemas centralizados de avaliação, o uso de cartilhas etc.

É necessária uma articulação de movimentos dos que estão fazendo Educação pública e estão buscando uma Educação criativa, com os que estão fazendo as lutas de resistências com as greves, mobilizações, com a participação de estudantes.

Esta riqueza de produções que está em circulação nas lutas em defesa da Educação pública e que pode criar uma sistematização maior. Temos que criar condições para que possamos ampliar esta aliança entre experiências da luta urbana com as que vêm do campo, produzindo novas sínteses e novas possibilidades para que a classe trabalhadora tenha sua própria agenda para o futuro da Educação pública.

É um processo longo e exigirá um esforço organizativo e intelectual de enorme envergadura. Temos que ter uma produção pedagógica mais sistematizada, mais profunda, para criarmos a base desse pensamento pedagógico crítico, que assegure uma formação integral, e que seja uma Educação que recusa a divisão dos seres humanos em dois grupos: um que pensa e manda, e outro que executa e obedece.

http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/educacao/grandes-grupos-economicos-controlam-escolas-para-fomentar-sua-ideologia--54-40868

*Commodities é uma palavra em inglês, é o plural de commodity que significa mercadoria. Esta palavra é usada para descrever produtos de baixo valor agregado. Commodities são artigos de comércio, bens que não sofrem processos de alteração (ou que são pouco diferenciados), como frutas, legumes, cereais e alguns metais.

E lá vamos nós mais uma vez...

No dia 20 de novembro de 2015, fiz a seguinte postagem no Facebook:

"Entre tragédias anunciadas, mais uma vem se infiltrando, inicialmente, de maneira discreta, e agora, escancaradamente na Educação. A Universidade de Columbia está recebendo hoje e amanhã pessoas que estão definindo os rumos da Educação no nosso país. O discurso é enganador, porque fala em igualdade e qualidade, Mas isso é mentira! Vejam a 'Escola de Partido Único'; vejam a coerção que todo o sistema da Educação Básica será submetido (alunos, professores e gestores); vejam o retrocesso metodológico e ideológico. Isso tem um custo absurdo, e marcará desgraçadamente as próximas gerações. Prestem atenção nas pessoas convidadas. Prestem atenção nas instituições que estão sendo representadas em Columbia. E tentem se informar. Tentem se aproximar das discussões em torno da Base Nacional Comum Curricular. Vejam os documentos que estão sendo produzidos por nossos colegas que atuam especialmente na Área do Currículo. Acompanhem as ações da ANPED. Creio que o mínimo que temos que fazer nesse momento é criar um movimento que diga NÃO às fundações e sistemas de ensino que estão nos enfiando goela abaixo. E faremos isso denunciando, nos reunindo, discutindo, tirando dúvidas e nos fortalecendo. Não duvidem, a situação é séria, urgente e trata de bilhões e bilhões de reais escorrendo para as grandes corporações que fingem que entendem e se preocupam com a Educação brasileira. Vamos compartilhar o máximo possível, e denunciar a armação que estão fazendo, tratando os profissionais da Educação como marionetes, que não pensam e não têm força de opinião.
Por falar nisso, porque o debate está sendo feito nos Estados Unidos???"

E, para observar...

Algumas pessoas começaram a responder.

O Prof. de História, Roberto José Alves Furtado complementou: "Acrescentaria, para reflexão de todos, o que estes sistemas de ensino tem feito para alcançar os primeiros lugares no ranking do ENEM. O ovo da serpente......"

O grande amigo Sérgio Storch, conclui: "Oi Denise, muito obrigado por alertar. Tenho uma explicação, pois acompanho jornais na área de negócios. Um dos maiores negócios que frequenta o noticiário de fusões e aquisições é a compra de empresas educacionais, com personagens como Anhanguera, Positivo etc, onde o número de alunos é traduzido no valor do negócio. E Lemann tem a ver com equity funds, que é um dos negócios do Banco Pactual, do Lemann."


E vamos continuar a divulgação, trazendo novas reflexões.

domingo, 11 de outubro de 2015

Pesquisa mostra dados alarmantes de corrupção entre alunos nas escolas

Essa semana (de 05 de outubro de 2015) apresentaram uma matéria no Canal Globo News, com a seguinte manchete: “Pesquisa mostra dados alarmantes de corrupção entre alunos nas escolas”.

E seguem explicando que uma universidade do Rio de Janeiro entrevistou 1.100 alunos do Ensino Médio e Superior, com idades que variam de 16 a 30 anos e obteve os tais dados alarmantes.

A primeira questão que se apresenta é se esses dados são mesmo alarmantes. Quem está alarmado com eles? Como chamar de alarmantes algo que é corriqueiro em todas as instituições escolares - desde tempos imemoriais?

Então, a minha primeira implicância é chamar de alarmante, algo que definitivamente não é. Todos estão bastante acostumados com a rotina pesquisada. É uma inadequação linguística, em que se tira toda a força da palavra e do que significa ser realmente alarmante.

Creio que os jornalistas responsáveis simplesmente estão tirando proveito de que “está na moda falar em corrupção” e resolveram criar uma “cultura da corrupção” que começa nos bancos escolares.

(É a mesma lógica que tenta determinar que as pessoas que fazem xixi nas ruas, o fazem porque é natural do brasileiro, é uma atitude cultural... como ocorreu nessa mesma semana, na Revista O Globo).

Enfim, vamos aos dados da pesquisa.

58% dos alunos já pediram para colocar nome em trabalho de grupo sem ter participado da produção do mesmo.

Pergunta-se: o que você faria se o professor passasse um trabalho de grupo para a sua turma e você soubesse, de antemão, que ele sequer seria corrigido e só serviria para melhorar a sua nota, caso o seu nome estivesse lá?

68% dos alunos já copiaram textos da internet para apresentar em trabalhos.

Pergunta-se: o que você faria se o professor passasse um trabalho de grupo para a sua turma e você soubesse, de antemão, que ele sequer seria corrigido e só serviria para melhorar a sua nota, caso o seu nome estivesse lá?


59% dos alunos já assinaram a lista de presença em nome do colega.

Pergunta-se: o que você faria se, para o sistema escolar, o que importa é a marcação da sua presença, porque se você estiver lá, presentemente, fazendo perguntas e participando estará “atrapalhando” a aula?

69% dos alunos já colaram em provas.

Pergunta-se: o que você faria se, para o sistema escolar, o que importa e é valorizado é a nota para você passar de ano?

Certo, certo, que fique claro que não considero a atitude dos estudantes louvável. Mas merece uma análise contextualizada. As coisas não acontecem por acaso, nem surgem do nada, porque esse é bonzinho e aquele é mauzinho...

Não! As coisas se revelam e se perpetuam a partir de uma história que fica sempre, no caso das instituições escolares, hipocritamente escondidas.

Simplesmente, não se concebe mais a escola do jeito que ainda continua sendo! E não é a tecnologia que vai salvá-la num discurso de pseudo modernidade.

Alunos deixarão de ser “alarmantemente corruptos” quando a escola deixar de ser um local em que se idiotizam pessoas.

A escola – e, evidentemente, os professores – tem que estar um passo à frente dos alunos. Isso significa:

1. Trabalhos em grupo devem ser envolventes, de preferência feitos na própria escola – inclusive na universidade - , desafiadores e cada pessoa participante deverá expressar de alguma maneira a sua participação; atenção: a partir de uma proposta, os alunos de um mesmo grupo podem e devem discordar e apresentar também essa discordância.
Além disso, os professores costumam ter, no mínimo, 8 turmas por período letivo. Cada turma com uma média de 30 alunos. Ou seja, os trabalhos e provas de 240 alunos – semanalmente – vão se acumulando, porque não há quem consiga viver para corrigir trabalhos e provas, além de planejar, participar de reuniões etc.

2. Copiar texto da internet acontece da mesma maneira que íamos à Biblioteca Nacional copiar trechos inteiros de enciclopédias... Primeiro ponto: os professores aceitam os trabalhos copiados porque querem. É muito fácil perceber quando o texto não é do aluno. Segundo ponto: se, mais uma vez, o trabalho proposto for para o aluno pensar sobre e algo e dar a sua opinião, ou uma solução para uma determinada situação, por exemplo, não vai dar pra copiar... Mas se a proposta for: pesquise sobre o período colonial brasileiro... a resposta vai ser copiada. Com louvor!


3. Se abolirmos a lista de presença, tornando a participação dos alunos mais efetiva e realmente valiosa, não haverá necessidade desse tipo de controle industrial. Vamos lembrar que estamos falando de Ensino Médio (acima de 15 anos) e Ensino Superior (acima de 17). Como as instituições pretendem formar pessoas conscientes, autônomas e responsáveis se continuam tutelando as suas ações? Por que os alunos não podem agir com franqueza e respeito, dizendo que não vieram à aula porque dormiram demais em determinado dia? Por que não se estimula a autorregulação das pessoas que estão se tornando adultas? Por que os alunos que tentam dizer que a aula está chata e sugerem que os professores mudem a sua metodologia são considerados inconvenientes?

4. Se abolirmos as provas e testes como únicas maneiras de se avaliar os alunos, essa atitude será suficiente para que parem de colar. Não fará sentido ir para escola apenas para receber nota e passar de ano. A escola, hipócritamente, diz que os alunos não querem nada, mas nada é oferecido além do que se fazia no início do século XX. Alunos sentados, comportados e professor lá na frente falando, falando, falando... ou passando algum power point horroroso... Ao, final, verifica-se quem tem melhor memória. Com todo os estudos a respeito dos atos de aprender e ensinar, já sabemos, há muito tempo, que provas não avaliam coisa alguma. Não avaliam se houve ou não aprendizagem. Vamos lembrar de nós mesmos, realizando provas, e saindo decepcionados, porque na hora “deu um branco” e nos esquecemos de tudo... Avaliações são processuais, de diferentes em tipos (sim, pode e deve haver prova, sim, mas não apenas), em diferentes situações: individuais, em grupos, escritas, desenhadas, orais etc.


E aí sempre aparece alguém para dizer: mas como é que ficam o ENEM, os vestibulares, os concursos??? Vamos lá: instigar os alunos a pensarem criticamente, criar soluções, produzir para a sociedade é tarefa das instituições escolares e universidades, porque são locais de formação de pessoas na vida e para a vida. Quer fazer concurso? Quer se preparar para uma prova? Certo, esse é o departamento de cursinhos preparatórios, estudo em grupo e outros etecéteras. Ou seja: vamos falar de uma educação, de uma escola que transforma, e não um local de instrução que apenas reproduz o que já existe. O que já existe, conhecemos e não é bom.


Enfim, continuo não enxergando nada de alarmante nas atitudes dos alunos. Eles agem exatamente respondendo ao que se espera deles. São portanto, saudáveis e muito mais inteligentes do que possamos imaginar. Para uma instituição medíocre, vamos agir mediocremente.



http://globotv.globo.com/globonews/estudio-i/v/pesquisa-mostra-dados-alarmantes-de-corrupcao-entre-alunos-nas-escolas/4527209/

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Lei obriga aluno que não se comporta a lavar o banheiro da escola

Quer dizer que as pessoas que trabalham para viver, limpando os locais que habitamos e frequentamos são diariamente castigadas. É isso?

Essa á maneira de conscientizar e formar os cidadãos? Há temos não vejo nada tão idiota. Pior, virou Lei. Tem juiz defendendo a medida!!! É a total incapacidade da instituição escolar de lidar com seus alunos. O nome disso é MALUQUICE! Os adultos deveriam estar todos internados. E, caso não se comportassem, teriam que lavar os banheiros... PQP!

"Projeto piloto foi desenvolvido em escola municipal de Campo Grande (MS).
Antes, casos de indisciplina levavam até 1 ano para ter uma decisão judicial."

Em Campo Grande, uma escola municipal resolveu mudar a forma de chamar a atenção de alunos que não se comportam. E esse projeto acabou virando lei para todos os colégios da cidade.

O adolescente, que já fez da escola um ringue de luta, disse que não aguentou a provocação de um colega. “Na hora eu tava estressado, ele continuava e eu fui pra cima dele, sem pensar”, contou o adolescente.

A agressão custou caro. “Limpei banheiro, passei rodo no pátio”, disse o aluno. E não adiantou reclamar para a mãe. “Eu assino embaixo, para mim não tem problema nenhum. Ele tem que rever o que ele fez”, disse a mãe do adolescente.

Punir alunos com problema de indisciplina faz parte da realidade de uma escola há cinco anos. O projeto piloto desenvolvido lá deu tão certo que virou lei municipal. Agora, todas as instituições de ensino de Campo Grande são obrigadas a aplicar medidas educativas para quem comete alguma infração no ambiente escolar.

O projeto é uma iniciativa da Promotoria da Infância e Juventude. Antes, os casos de indisciplina levavam até um ano para ter uma decisão judicial, hoje não.

“Dentro desse programa, com a força dessa lei, nós aplicamos quase que imediatamente, dentro de 48 horas, no máximo, o aluno está sendo levado a uma ação pedagógica, para reparar esse dano”, afirmou Sérgio Harfouch, promotor da Infância e Juventude.

Na escola Ada Teixeira, a palavra "dano" já foi excluída do vocabulário.

“Não tem mais briga, não picha mais a escola, não agride professor”, contou o aluno.

“Está mais equilibrado o comportamento dos alunos”, disse outra estudante.

“O aluno hoje respeita a escola, o aluno se respeita, os pais respeitam a instituição, então nós temos uma tranquilidade muito grande em relação a isso”, afirmou Valson Campos Dos Anjos, diretor da escola.

Quem já chegou a levar até bebida alcoólica na escola que o diga. “Eu pensava que podia tudo, agora eu sei que tem um limite. Qualquer coisa que eu fizer errado, eu tenho que pagar pelo o que eu fiz”, disse o aluno.

A punição ainda ajudou o jovem a se livrar da bebida. A mãe agradece. “O aluno cometer um erro e não pagar por aquilo, isso sim é grave. Mas se ele cometeu um erro e ele está pagando, ele está refletindo sobre aquilo, ele vai ter a oportunidade de aprender. Deveriam todas as escolas fazerem isso”, falou a mãe do aluno que levou bebida alcoólica para a escola."


Fonte: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/09/lei-obriga-aluno-que-nao-se-comporta-lavar-o-banheiro-da-escola.html

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Oito coisas que aprendi com a educação na Finlândia

Estou verdadeiramente chocada com o fato de professores de Institutos Federais brasileiros desconhecerem as "oito coisas" que dizem ter aprendido na Finlândia. Pena , não precisavam ter saído do Brasil.

Aqui já fazemos e divulgamos "coisas" muito mais atualizadas do que os finlandeses.

Por que é tão difícil compreender que não precisamos importar modelo algum de fora do nosso país?

Por que é tão difícil compreender que o melhor para o Brasil é o que é feito pelos brasileiros? Gostaria de saber se os professores que viajaram já tentaram conhecer os MUITOS projetos educacionais que se encontram espalhados pelo país todo.

Se conhecem as propostas curriculares de alguns Estados e de algumas prefeituras que são absolutamente interessantes e eficazes?

Se conhecem educadores, pedagogos e pesquisadores brasileiros que apresentam ideias consequentes e apropriadas ao nosso país? Tô achando que, sinceramente, não.


E, pra piorar, a Educação brasileira aqui é tão desrespeitada pela mídia, que os professores foram a Finlândia para aprenderem 8 coisas... Não foram princípios, diretrizes, metodologias etc. Nada. Foram coisas inomináveis. Nenhum grupo de economistas ou engenheiros ganharia uma manchete dessa.



terça-feira, 21 de julho de 2015

Vocês leram isso hoje?

Tá aqui, http://oglobo.globo.com/opiniao/o-patrono-da-educacao-brasileira-16848457, mas resolvi responder no próprio texto do colunista.

Gostaria de enviar para o jornal em questão, mas não consigo por causa do tamanho. Peço, então que, caso concordem comigo, ma ajudem a divulgar.

Grande e Agradecido abraço

Denise



O patrono da educação brasileira


Os americanos têm como ícones Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, John Adams e George Washington. Já o Brasil encontrou em Paulo Freire uma grande inspiração. Cada povo tem o herói que merece


Interessante... Não vi nenhum educador americano dentre os citados. Estamos comparando laranjas com bicicletas? Por aqui tivemos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Médici, Sarney e Collor.




Uma das formas de se analisar uma sociedade é ver quem são seus heróis. Os americanos, por exemplo, têm nos “pais fundadores” grandes ícones, gente como Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, John Adams e George Washington. Já o Brasil encontrou em Paulo Freire uma grande inspiração, a ponto de transformá-lo no “patrono” de nossa educação. Cada povo tem o herói que merece.


Concordo plenamente com a primeira frase, mas continuamos comparando tecidos com poemas.


Creio que cada povo tem o herói que pode ter, de acordo com o seu contexto histórico cultural e suas necessidades. Podemos pedir a algum professor de História para nos ajudar nessa tarefa. Pelo raciocínio do colunista, nossos heróis deveriam ser Deodoro da Fonseca, Prudente de Morais etc. É isso?



Pergunto ao leitor: já leu algum livro de Freire? É um exercício e tanto de paciência. Seu linguajar é enfadonho, diz algumas coisas um tanto óbvias de forma aparentemente profunda, que revela apenas uma mente confusa, e usa a “pedagogia” para, no fundo, pregar o marxismo radical. Foi seu grande “mérito”: levar Marx para dentro das salas de aula.


A leitura de Paulo Freire pode ser realmente enfadonha para quem não é da área. A crítica é quanto ao estilo do educador? Para os professores, Paulo Freire foi o primeiro a dizer com todas as letras o que era necessário ser dito. É repetitivo, sim, para que as ideias fiquem bem claras. Quanto a dizer coisas óbvias, aparentemente profundas... Vamos lembrar que, quando Paulo Freire começou a divulgar os seus escritos, estávamos na década de 60. Certamente, naquele momento, não era nada óbvio falar que a Educação deveria ser para todos. Pela legislação brasileira, a universalização da escolaridade, começou em meados dos anos 70. Até então, apenas os filhos da elite frequentavam a escola pública. Gostaria que o colunista explicitasse melhor o que considera coisas aparentemente profundas. Por favor, aprofunde. Mente confusa? O colunista resolveu fazer uma análise terapêutica do modo de pensar e expressar ideias do Paulo Freire?


Levar as ideias marxistas para as salas de aula era o que havia de mais sensato e necessário a ser feito naquele momento histórico. A Educação deve, sim, se apropriar da sua função política (de polis, de cidadania) e formar cidadãos que transformem a sociedade e não apenas a reproduzam.


Seu ponto de vista é o dos “excluídos”, diz ele, monopolizando as virtudes e os fins nobres. Somente quem endossa seu viés “progressista” quer o bem dos mais pobres. O restante, os “neoliberais”, esses querem apenas manter o status quo, preservar um sistema opressor. São pessoas ruins. E contra eles, os “oprimidos” devem se rebelar, lutar pela utopia igualitária.


Sim, é exatamente isso, também. O colunista compreendeu parte da ideologia freiriana. Volto a lembrar que opinar sem levar em conta o contexto histórico, é apenas leviano. A luta pela utopia igualitária permanece firme até o dias de hoje, ou o colunista acha que está tudo muito bem, obrigado? O colunista acredita que exista ação que não seja política? Não estou falando de partidos, mas de consciência do que significa fazer parte de um grupo, urbano, ou não, mas que claramente existem classes que mandam e classes que obedecem. E nenhuma ação política é isenta de ideologia (juro que pensei que isso fosse ensinado nas faculdades de economia).




Era dada a justificativa para que professores se transformassem em militantes ideológicos, usando as salas de aula não mais para ensinar conteúdo de forma minimamente objetiva, mas para “transformar a sociedade”, para “formar novos cidadãos”, naturalmente marxistas empenhados na causa utópica, como o próprio Freire. A doutrinação ideológica ganhava ares de justiça, graças ao pedagogo marxista.


Parece que essa parte o colunista também entendeu. O que, me parece, não foi compreendido é que quando os professores agiam e continuam agindo de maneira a apenas perpetuar o status quo, sem discernimento, esta também é uma postura política e, naturalmente, ideológica. Só que não numa perspectiva transformadora, mas apenas reprodutora. Nesse ideal, não há injustiças, não há preconceitos, pobres e ricos se entendem muito bem, não há desafios sociais a serem superados. Ou seja, para o colunista, a sociedade está ótima do jeito que está e assim deve ser mantida. Não há porque se buscar transformações... É o que estou entendendo.


Contra o “fatalismo pragmático” dos “neoliberais”, Freire oferecia a “conscientização”, ou seja, os professores deveriam mostrar as “injustiças” do sistema capitalista, da globalização, conscientizando os alunos da necessidade de luta, de revolta contra os ricos, já que, para ele, a riqueza era fruto da exploração da pobreza, era uma “agressão” contra os desvalidos.


O colunista imagina quais outras formas – que não a conscientização – possíveis e desejáveis em um espaço educativo? O colunista continua acreditando que não há injustiças no sistema capitalista? Que a população não tem que ter clareza e tentar lutar pela igualdade? (Em nenhum momento falamos em pegar em armas, está entendido?). Essa luta é ideológica, sim, é política, sim e se dá através das ideias. Mas se as pessoas “não devem” aprender nas escolas que a sociedade é injusta, como vão aprender a confrontar as ideias? Alguma sugestão?


Postura minimamente neutra do professor, que oferece ao aluno diferentes pontos de vista, dá espaço ao contraditório, deixa o próprio jovem desenvolver um pensamento crítico e tirar suas conclusões por conta própria? Isso é uma ilusão que atende somente às elites opressoras. A prática educativa, diz Freire, é política por definição, não pode ser neutra, e por isso o professor “progressista” pode, deve levar todo seu viés para dentro de sala de aula.


Caro colunista, não existe postura neutra, por favor, vamos adiantar o passo. Ou ela transforma ou ela reproduz. O risco que corremos desde sempre, é que numa democracia, alguns professores podem pensar como o colunista e atuar pela reprodução do status quo. Por isso, o trabalho é de conscientização. Não é de ordem vinda de cima pra baixo, como passamos décadas obedecendo e nem de lavagem cerebral, como o colunista quer fazer crer.


Era a desculpa perfeita para militantes medíocres se tornarem “professores” e encherem a cabeça de nossa juventude com porcaria revolucionária. Hoje, os sindicatos dos professores, ligados aos partidos de extrema-esquerda, dominam o ensino público, todos inspirados em Freire. Nas aulas, o assassino Che Guevara é tratado como herói idealista, os invasores do MST como instrumentos de “justiça social”, e o lucro capitalista como exploração injusta.


Meu Deus, de onde você saiu, caro colunista??? Em que século você está? Militantes medíocres se tornando professores? Onde você pesquisou essa afirmação? Qual a sua base teórica para fazer tal assertiva? Encher a cabeça de nossa juventude com porcaria revolucionária? Do que é que você está falando? É medo que você tem? De quê? Pode se abrir aqui com a gente.


“Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos”, escreve ele em “Pedagogia da autonomia” (tem ainda a do oprimido, a da solidariedade, a da esperança...). O pequeno “detalhe” é o que ele entendia como “formação ética”, claro. No caso, era “formar” novos seres “conscientes” de sua situação de oprimidos, para que reagissem contra as “injustiças do sistema”. Ou seja, criar soldados comunistas!




Uau! Pegou muito pesado agora! Criar soldados comunistas??? Meu caro colunista, em que lugar do mundo você esteve nos últimos 50 anos? Certamente, tudo o que você leu – todas as Pedagogias – de Paulo Freire - mesmo ele repetindo muito – não conseguiram fazer com que você entendesse suas ideias. A culpa deve ser da mente confusa de Freire, porque a do colunista está em perfeito estado de conservação. Tô me sentindo conversando com o grande herói americano Joseph MacCarthy que, felizmente, morreu em 1957.


Caso alguém ainda tenha dúvidas acerca de seus objetivos, ou pense que exagero na interpretação, deixemos o próprio explicar melhor: “Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar e manter a ordem injusta”.


Vou tentar mais uma vez. Caro colunista, eram os anos 60/70. Não havia discussão. Os professores não podiam se encontrar para discutir ideias, entendeu? Era contra essa situação justa (segundo o colunista) que tentava-se reagir. Em Educação, a palavra intervenção, não significa impedimento, mas como o próprio Freire explica, significa uma pausa para a retomada, para a discussão democrática. E ele deixa bem claro que, permitir que o professor aja é correr o risco de formarmos cidadãos ou formarmos reacionários. O colunista sabe qual é a diferença?


Ou seja, de um lado temos os “progressistas” como ele, que querem salvar a humanidade das garras capitalistas e levar prosperidade aos mais pobres; do outro temos os “reacionários” e “neoliberais”, que pretendem apenas manter o quadro de exploração da miséria alheia. E esse “educador” virou o patrono da educação brasileira!


SIM!!! Queremos salvar a humanidade, sim, senão estaríamos em outra profissão. Da mesma maneira que o médicos querem salvar pessoas, educadores querem ajudar a formar pessoas sabidas, criativas e ousadas, sem medo da sociedade e conscientes de seu papel sócio histórico no mundo.

Deixo o comentário final com Dom Lourenço de Almeida Prado, esse sim um grande educador que o país teve, reitor por anos do prestigiado Colégio São Bento: “É uma lástima que o meio católico se tenha deixado contagiar por esse mestre equívoco da pedagogia que é Paulo Freire e por essa falsa elaboração que chama educação libertadora. Na verdade, ela nada tem de libertadora, como nada tem de pedagogia. É uma campanha política, de fundo marxista, isto é, fundada no dogma da luta de classes e na divisão da humanidade entre opressores e oprimidos”.



Fala sério, colunista! Com todo respeito ao D. Lourenço (fui, inclusive, aluna dele, na Universidade Santa Úrsula), você traz como exemplo uma pessoa que passou a vida toda dedicada a formar elites. O meio católico de D. Loureço não reconhece os Freis Leonardo Boff e o Betto. Nunca se aproximou da pobreza real, nunca lutou pelos desassistidos (ou o colunista acha que eles não existem?). Ao contrário, sempre trabalhou de comum acordo com quem manda, numa clara herança e obediência à Igreja, ou o colunista desconhece o quanto Governos e Igreja sempre se confundiram na história do mundo?


Rodrigo Constantino é economista


Denise Vilardo é professora


Como última reflexão, quero externar que acho que as pessoas devem procurar comentar sobre que lhes é afeito. É evidente que todos os âmbitos sociais são da conta da sociedade, portanto todos gozam de liberdade para falarem o que querem. Me preocupa, sim, quando a pessoa dispõe de quase meia página de um jornal de amplitude nacional. A Educação parece ser a casa mãe joana, em que sempre tem alguém para palpitar, como se não houvesse conhecimento acumulado nas diferente áreas. Acho que nunca vi professor algum escrever algo contra ou a favor de Adam Smith ou Delfim Netto, que merecesse meia página de jornal, mesmo que fosse a tribuna de um jornal de bairro.




Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-patrono-da-educacao-brasileira-16848457#ixzz3gXSMglXI

quarta-feira, 27 de maio de 2015

É um desastre

O sistema de educação foi concebido para preparar as pessoas para ontem, não para hoje e muito menos para amanhã. São duas ordens de coisas: a primeira é o sistema falho, defasado, que continua preso aos ideais sociais do final do século XIX; outra coisa é a crença de que devemos preparar as pessoas para o futuro.

Preparar as pessoas para o futuro fazia sentido quando havia prognóstico sobre qual era o futuro que teríamos. Temos que preparar as pessoas para viver o hoje. Os sistemas de ensino sobrevivem como se fossem ilhas, isoladas da sociedade. As referências são efêmeras, difusas e, alunos e professores, encontram-se perdidos para lidar com o aqui e o agora.

A questão é preparar as pessoas para a imprevisibilidade. Brincávamos no colégio em que eu trabalhava, que nosso slogan deveria ser: "Aqui preparamos para o fracasso". É óbvio que não conseguiríamos aluno algum, mas seríamos mais coerentes com a necessária e urgente humanização do sistema. Os colégios "vendem" um falso produto, que é o sucesso irrestrito. Isso não condiz com a própria vida. Afora os conteúdos repetitivos e defasados, no colégio não entram os sentimentos de perda, de morte, de vida, de sexualidade, de frustrações.


A saída? Desconstruir a maioria das "verdades" que temos reproduzido incessantemente. Reconstruir novos e coerentes sentidos para a Educação. Perguntar-se continuamente, por que faço isso ou aquilo? Por que escolho isso e não aquilo? Utilizar as tecnologias para a construção de um novo projeto de sociedade. Uma visão sustentável em todos os âmbitos.

sábado, 9 de maio de 2015

Vítima de racismo em escola, menina é obrigada a pedir desculpas aos agressores

Escrito por Fernanda Canofre Desde que Camila dos Santos Reis consegue lembrar, a filha Lorena, de 12 anos, sempre foi uma menina doce, que gosta de correr pelo Parque Ibirapuera, em São Paulo, e assistir desenhos da Disney. No entanto, desde a volta às aulas esse ano, Lorena estava diferente — mais quieta, retraída. Era uma noite de março quando Camila recebeu uma ligação da escola avisando que Lorena seria transferida de turma porque “os colegas não se adaptaram a ela”.


Foi difícil para Camila entender. As duas sempre foram muito próximas, era estranho que Lorena não tivesse contado nada. Quando a mãe a procurou, ela explicou: tinha vergonha. Desde o início do ano letivo, Lorena — que é negra — estava sofrendo bullying e racismo na escola. No mesmo dia em que Camila recebeu a ligação, Lorena havia procurado a direção para reclamar dos ataques. Mas, segundo Camila, a escola só tomou medidas para identificar quem estava por trás dos atques duas semanas depois. Quando os outros alunos souberam que Lorena teve que nomear os agressores, acabou sendo confrontada, como conta o post da página Preta e Acadêmica: no espaço da escola, seus “colegas” começaram a questionar sobre o ocorrido, e como ela pode ter os dedurado, iniciando uma gritaria contra a criança, que correu para os braços da diretora do colégio.

A diretora, que “já está de saco cheio dessa história” (palavras da própria), resolveu fazer uma acareação. O resultado? Lorena teve que pedir desculpas para seus agressores. Por fim, a diretora perguntou se a menina gostaria de trocar de turma e Lorena, cansada, aceitou.

Quatro dias depois, as coisas pioraram. Como Camila contou em seu perfil do Facebook, compartilhado por mais de 74 mil pessoas, Lorena lhe enviou uma mensagem com a frase: “Olha como eu sofro”, seguida de uma série de áudios. (…) coloquei meu fone no ouvido, e apertei o botão “REPRODUZIR”, que susto eu levei… logo a primeira frase gritada em alto e bom som foi “SUA PRETA, TESTA DE BATER BIFE DO CARA*****”, foram 53 segundos de ofensas horrorizantes, palavrões ofensivos, a nível físico, racial e por incrível que pareça sexual, vinda de um garoto de aproximadamente 13 anos morador do condomínio onde vivemos.

Um grupo formado por 20 crianças — alguns da escola de Lorena, outros, seus vizinhos em São Bernardo do Campo — usaram um grupo no Whatsapp para seguir com as agressões contra Lorena. Camila conta no mesmo post: pedi para ela me mandar todos os áudios que tinha recebido, uma sequência de mais de 20 áudios aproximadamente, então percebi que os áudios estavam sendo enviados de um grupo de amizade da qual ela faz parte. Todos os participantes do grupo são do condomínio, onde 2 meninos a ofendiam enquanto alguns outros incentivavam as ofensas.

As frases que mais marcaram e mais me assustaram foram: “SUA PRETA, TESTA DE BATE BIFE DO CARA******!” “EU SOU RACISTA MESMO, QUANDO EU QUERO SER RACISTA EU SOU RACISTA, ENTENDEU?” “TODA VEZ QUE EU ENCONTRAR ELA NA MINHA FRENTE EU VOU ZUAR ATÉ ELA CHORAR” “VOCÊ VAI FICAR NESTE GRUPO ATÉ VOCÊ CHORAR” “CABELO DE MOVEDIÇA, CABELO DE MIOJO, CABELO DE MACARRÃO”

Muitos dos colegas ficaram quietos e preferiram não se manifestar, um deles até saiu do grupo quando as ofensas começaram, teve outro que se revoltou e disse que estavam passando dos limites e que aquilo já era desrespeito demais.

Entrei em choque, diante de tantas agressões psicológicas, tamanha inconsequência dessa juventude que ainda nos dias de hoje se comporta de maneira tão cruel, não posso encarar essa situação como “coisa de criança”, racismo nunca foi coisa de criança. Por envolver menores de idade, o caso foi encaminhado ao Conselho Tutelar. Dentro da escola, não houve nenhuma punição aos agressores ou mesmo uma tentativa de abordar a agressão com os envolvidos.

Em entrevista ao Global Voices, Camila revelou que isso foi o que a deixou mais indignada. “É o errado vencendo o certo, trocou de turma, mas os alunos não foram conscientizados do erro que estavam cometendo, e nos corredores da escola quando se encontrassem, como seria? Eles iam continuar ofendendo ela? Recebi uma ligação da escola no período da noite me informando que ela seria trocada de turma porque não houve uma adaptação. Como assim? E na sociedade aonde eu coloco ela?”. “Não é bullying, e sim racismo”

O que aconteceu com Lorena parece denominador comum na infância de alunos negros. É a experiência de vida de milhares de meninas negras que passam pelos anos de escola tendo que ouvir piadas sobre seus cabelos e a cor da pele. Todas vítimas de racismo, não bullying.

Para diferenciar as duas formas de preconceito, em 2013, um grupo de 21 mulheres negras resolveu reunir suas histórias de escola no livro “Negras (in)confidências: Bullying, não. Isto é racismo”, onde explicam: As organizadoras fazem questão de afirmar que o que ocorre com as crianças negras não é bullying e sim racismo, pois, no primeiro caso, a maior parte das agressões acontece sem a presença dos adultos e os que sofrem a agressão tendem a cometer atos de agressão por terem sofrido agressões, mas não falam sobre o assunto. O racismo, no entanto, é uma ideologia que afirma uma raça superior a outra; a ideologia é tão difundida que as agressões ocorrem tanto na presença de adultos, como os mesmos as promovem, assim, mesmo que as crianças procurem ajuda na escola, não a obterão, o que aumenta a sensação de injustiça e solidão. Acreditam que o bullying inferioriza e o racismo, para além de inferiorizar, desumaniza o ser humano.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Institucional de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2009, mostrou que o preconceito étnico-racial é o segundo mais forte nas escolas brasileiras, atrás apenas de preconceito por questões físicas, como obesidade. O estudo ouviu professores, funcionários e alunos de 500 escolas em todo o país. Apenas 5% dos entrevistados eram negros. Em 2003, a assinatura da lei 10.639, tornando o ensino da “História e Cultura Afro-Brasileira” temática obrigatória nas escolas, parecia anunciar uma mudança no sistema. Mas não foi bem assim.

Dez anos depois, num artigo na Revista Fórum, o professor Dennis Oliveira, membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb), apontou entre os problemas na implementação da lei a resistência de cursos superiores de pedagogia em incluir a matéria no currículo e, consequentemente, a falta de professores com formação nela. Viviane de Paula, em artigo publicado no site Blogueiras Negras, afirma que “o ambiente escolar é ainda agente opressor para muitas identidades”, algo que tanto o Estado quanto as comunidades escolares ainda não conseguem reconhecer: a escola, sem dúvidas, é um espaço sócio-cultural que deve aceitar e, sobretudo, discutir amplamente a pluraridade cultural, até mesmo como uma maneira de desconstruir preconceitos. O que muitas vezes presencia-se nas escolas são atitudes de descaso e silenciamento por parte da gestão escolar. Observa-se que os gestores de instituições públicas e privadas não se posicionam: é mais fácil esconder, do que problematizar.

#SomosTodasLorena

Depois de tudo o que aconteceu na escola, Lorena só queria ver o pai, a mãe e a melhor amiga. “Isso gerou uma insegurança muito grande nela, além da resistência em ir para a escola, ela está tendo muita dificuldade de dormir, acorda de madrugada e não consegue mais pegar no sono, e o apetite dela diminuiu muito”, contou Camila em entrevista ao GV. Ainda assim, o apoio que Camila encontrou nas redes sociais desde que contou a história da filha revela que a internet se abriu como espaço de afirmação a tudo aquilo que é ignorado fora da rede. “Diante da proporção que este caso tomou e da quantidade de mensagens de apoio, ajuda e carinho que recebemos, acredite, existem muito mais pessoas do bem do que do mal”, comentou em entrevista ao GV.

Logo após a publicação do relato no Facebook, um sociólogo escreveu para Camila se oferecendo para realizar um treinamento com o corpo docente da escola sobre medidas socioeducativas a serem tomadas nesse tipo de situação. A escola aceitou, mas depois voltou atrás. Segundo Camila, ainda há muito para acontecer até a conclusão do caso. A hashtag #SomosTodasLorena começou a circular mostrando mães e comunidades dedicadas a exaltar os cabelos crespos, como o grupo As Vantagens de se Enrolar. Desde que sua história apareceu na internet, Lolô (como Lorena é carinhosamente chamada) adotou um black power. Um começo para ela descobrir como ela é linda e tem poder.