quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Meu conto de natal - Parte 2 - Por Enéas Elpídio

Publicado em 22/12/2008 12:08 na Comunidade Mídia Social - Rede Peabirus

PRIMEIRA PARTE – O ENCONTRO


Quando eu tinha 9 anos, eu conheci uma pessoa que marcou a minha vida. Eu era menino pobre e bastante doentinho da comunidade de Parada de Lucas, mas, essa pessoa tinha um enorme carinho, amor, admiração, por mim. Não sei o que era, mas me fazia um bem enorme, pois era muito pequeno mas, seu afeto por mim me inspirava, me fazia sentir importante, e essa pessoa me ensinava e matava todas as minhas curiosidade infantis.


Chegou até a me levar para a sua casa, onde vi seu irmão tocando violão e fiquei deslumbrado, também foi a primeira vez que fui ao Maracanã e que o pai dessa pessoa me levou (Sr. Wilson, muito grato!!!) fiquei super emocionado. E havia também um garotinho que acho que era irmão do seu marido (Roberto) que me tratou tão bem, que até hoje lembro-me dele. Sua mãe, Senhora Philomena (que Deus a tenha), com bastante carinho conversava comigo. Sabe, eu adorava conversar com a sua mãe. Foi tanta emoção que fiquei doente lá na casa dessa pessoa (gente, que cuidado eu que recebi!). A irmã do marido dela (acho eu) foi me visitar, não lembro do seu nome, mas ela usava um óculos engraçado e fiquei rindo pra mim mesmo. Gostei muito dela... a moça de óculos. Ah, essa pessoa, junto com essa moça do óculos engraçado, me levou para passear e elas até me pediram pra escolher onde eu queria ir e escolhi ir ao museu. Rodamos a cidade à procura do museu e só achamos um que estava aberto, lá na Praça XV, não me lembro porque, não achei o museu muito legal, mas tava bom, pra quem nunca tinha ido num museu antes, adorei!!!


Sabe, gente, essa experiência ficou gravada na minha memória durante trinta anos, nunca esqueci essa pessoa que me mostrou respeito, dedicação, amor, sobretudo, e agora fiquei sabendo que essa pessoa foi responsável por minha vida musical, porque me deu meu primeiro violão. Essa pessoa pediu um violão ao seu irmão (raiz multiplicadora de sons na minha vida), que é o maestro Wilson Nunes (obrigado pelos os acordes que você tornou possível para mim), e esse companheiro (o violão) me ajudou muito a superar a pobreza, a dor, as angústias da vida e direcionou minha vida pro lado do bem e me tornei professor de música formado pela Escola de Música Villa Lobos.


Toquei em alguns shows importantes, ensinei e fiz tocar bem quase uma centena de pessoas (de todas as classes sociais). Uns viraram artistas, profissionais, professores de violão também. Conheci muita gente significativa para mim por causa da música, e que hoje faz parte do meu círculo de amizades.


Só tenho a agradecer a essa pessoa que foi um presente de Deus para mim. Então chegou a hora de revelar quem é: foi a minha professora da 3ª série primária, em 1978, DENISE VILARDO, na ESCOLA CRUZADA SÃO SEBASTIÃO, em Parada de Lucas.



SEGUNDA PARTE – O REENCONTRO

Em outubro de 2008, estava em frente ao computador e bateu aquela saudade da Denise que eu acostumava sentir. Olha, gente, em frente ao computador!!! Com a página do Orkut aberta, eu pensei: o que estou esperando (PESQUISAR DENISE VILARDO)? Pronto! Não acreditei! Ela surgiu na minha frente depois de trinta anos. Levantei e fui tomar um pouco da água (meu coração estava a mil por hora). Mandei um scrap e ela não respondeu (não é acostumada a abrir o Orkut). Então, alguns dias depois, vi um link deste site no Orkut dela: Peabirus, (obrigado Peabirus!!!) em que Denise estava. Me associei e mandei uma mensagem: “Oi, Denise, sou o Enéas, seu aluno lá de Lucas, a quem você ensinou as primeiras letras e tento multiplicá-las a cada dia e estou com saudade."


Resumo: ela mandou uma mensagem super emocionada, chorando, eu chorei também e mostrei aos meus aos meus alunos de Informática. Eles ficaram tão emocionados que teve uma aluna que também chorou. Hoje sou educador da ONG CDI - Comitê para Democratização da Informática, que é patrocinada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, onde dou aulas de Informática e Cidadania.


Então, fui visitá-la e fiz um chorinho pra ela. Na hora de apresentar a música, estava tão emocionado que quase não consegui tocar o chorinho. Estamos tão contentes, que esse Natal será o melhor de nossas vidas!


TERCEIRA PARTE – DENISE VILARDO & ENÉAS ELPÍDIO,

ETERNAMENTE AMIGOS.


Te amo, Denise Vilardo.


Seu eterno aluno,

Enéas Elpídio.

Meu Conto de Natal no Peabirus

Publicado em 20/12/2008 01:25 na Comunidade Mídia Social - Rede Peabirus

O tempo: 1978


O espaço: Escola Municipal Classe em Cooperação Cruzada São Sebastião – Rua da Democracia, s/nº - Parada de Lucas – Rio de Janeiro

Os personagens: eu, professora primária da Prefeitura, com 19 anos; ele, Enéas, aluno de 9 anos; a turma de 3ª série

A história:

Eu - Curso Normal em colégio particular, bairro de classe média; estágios com alunos bem nutridos e que viviam confortavelmente.

A única aprovada da turma no concurso público: misto de orgulho e pânico; desejo de ir, vontade de ficar. Liberdade = meu próprio salário aos dezessete...

Primeiro dia de apresentação na escola. Primeira vez numa favela. A mãe junto. Na frente da birosca, três rapazes. Vários fius-fius e a frase: “Hu-hu! Professorinha nova na escola!!!”

E segura a mãe que quer voltar, porque não vai deixar a filha trabalhar naquele lugar! E briga e convence.

Mama mia!

(...)

Segundo ano no magistério público. Não eram mais os anos dourados... ainda bem!

Conflitos internos e não. Abertura leeeenta e gradual. Primeira greve. Aderir ou não.

Aderi. Ponto cortado. Salário idem.

Dúvidas e dúvidas em profusão. Muito pouco do aprendido para alunos idealizados servia para os alunos reais.

Curso de Letras em andamento. Atração total pela pesquisa lingüística, pelos meus alunos e pelo meu futuro marido. Não nessa ordem.

Casei.

A turma - 3ª série. 45 alunos apaixonantes, numa sala onde cabiam 30. Aluno sentado em carteira na porta da sala. Professora espremida entre os alunos e o quadro de giz.

E que aula é essa? Ensinar? O que ensinar? Como?


Reinventar tudo. Contar histórias, escrever histórias, cantar, cantar muito. E fazer contas, resolver problemas. Falar da água, do tempo, da vida. Ah, ia esquecendo... falar dos anfíbios.

Nos fins de semana, levava algum aluno para a casa de recém-casada.

A maioria nunca havia saído de dentro da favela.

Entrar num ônibus e tomar banho de chuveiro eram as novidades/surpresas iniciais, ainda na sexta-feira. O ápice da estada: a ida à praia! Aquela lambeção de braços, aproveitando o salzinho...

(...)

Conflitos, sempre. Angústia. Que é que eu tô fazendo aqui? Isso que ensino faz algum sentido pra vida dessas crianças?


O Enéas - O Enéas era o menino mais espevitado, inteligente, bem humorado e generoso da turma. Não calava a boca! Não parava quieto! Magérrimo, desconjuntado, tinha um problema cardíaco (a mãe me pedia para que eu não o deixasse correr... como se isso fosse possível) e enxergava muito mal do olho direito.

Quando esteve na minha casa, ficou vidrado, ouvindo meu irmão tocando, e se apaixonou pelo violão.

Em algum momento do ano letivo o Enéas sumiu. A notícia que recebi é que havia sido internado, em estado grave de desnutrição.

Ao retornar, ainda debilitado, fiz um combinado com a mãe dele, garantindo um litro de leite diário.

O Enéas renasceu, literalmente, e voltou pra escola com força total, como se nada tivesse acontecido, como se quisesse o mundo todo pra ele. A vivacidade e o carisma dele eram surpreendentes. Não deixava nenhum colega ficar triste ou aborrecido. E ajudava a todos, porque tinha uma facilidade impressionante para aprender as coisas rapidamente.

E passou a me dizer que o seu sonho era um violão...

Perturbei meu irmão até conseguir que ele desse um dos seus dois violões para o Enéas.

No ano seguinte, a turma passou para outra professora e seguimos.

(...)

Com essa turma e, especialmente, com o Enéas, compreendi que esse era o caminho que eu desejava para mim mesma. A força e a persistência desse menino me serviram de norte, me mostraram pelo que é que eu deveria lutar na vida, me deram o sentido da profissão que eu havia escolhido.

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Essa história passou a fazer parte do meu repertório, quando converso com professores pelo país afora, sobre a troca que existe, sobre como aprendemos com os nossos alunos, quando temos olhos de ver.

Nesses trinta anos, nos meus devaneios, eu sonhava, um dia, reencontrar o Enéas.

Era um sonho muito nítido: eu o encontraria no centro do Rio, ali na Rua da Carioca, e ele estaria com um violão, ou um cavaquinho, e me diria que estava estudando na Escola de Música Villa Lobos, que fica ali perto. Ou então, o encontraria tocando em algum grupo de chorinho num bar da Lapa (e todas as vezes que eu assistia a algum show, corria os olhos pra ver se achava o Enéas). Mas, que bobagem! Isso era um sonho.

(...)

No dia 31 de outubro desse ano, recebo uma mensagem do Peabirus, assim:

Caro(a),

Enéas Elpídio deixou um recado para você no PEABIRUS.

Olá, tudo bom, Denise? Eu ainda não sei mexer bem no Peabirus e não soube como te requisitar para ser meu contato. Então irei te mandar outra solicitação.

Muito obrigado e estou com saudade.

Seu aluno, a quem você ensinou as primeiras letras e tenta multiplicá-las a cada dia.

Um abraço afetuoso.

Enéas Elpídio

Clique aqui para acessar o perfil de Enéas Elpídio ou acesse http://www.peabirus.com.br/redes/form/perfil?id=14993

(...)

O Enéas, atualmente, dá aulas de Inglês, de Informática e de... violão e estudou na Escola de Música Villa Lobos.

Veio me visitar.

Trouxe de presente um... chorinho que compôs pra mim.

Denise Vilardo